O que não dá certo na República Centro-Africana?

© AP Photo / Jerome DelayApoiadores do candidato presidencial, Faustin Archange Touadéra, República Centro-Africana (foto de arquivo)
Apoiadores do candidato presidencial, Faustin Archange Touadéra, República Centro-Africana (foto de arquivo) - Sputnik Brasil
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Depois de três guerra civis, a República Centro-Africana (RCA) continua perturbada. Que conflitos estão abalando o país, onde foram mortos os jornalistas russos? A Sputnik revela.

Passados três anos após a assinatura dos acordos de Bangui, tudo nessa república africana está de volta: a possibilidade de um golpe militar, a maldição dos riquíssimos recursos naturais e os interesses contraditórios dos países estrangeiros no seu território.

O governo da RCA controla somente uma pequena parte do território do país. Basta apresentar o exemplo das forças militares centro-africanas. Conforme a rádio local Ndeke Luka, no dia em que morreram os jornalistas russos, as forças de segurança insistiram que eles não se dirigissem para a cidade de Cebu, que fica à distância de apenas 180 quilômetros da capital, mas os jornalistas não deram importância aos avisos.

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Em entrevista à Sputnik França, o especialista em África, Amadou Ba, disse que, de fato, 80% do território da RCA não é controlado pelo governo.

"Hoje em dia as autoridades do país se encontram em uma posição muito constrangedora, já que os antigos rebeldes do grupo Seleka, que se uniram na Frente Popular pelo Renascimento da República Centro-Africana, controlam quase 80% do território do país. Eles estão disseminados entre o norte, centro e leste", disse à Sputnik França Amadou Ba.

Forças no terreno

O nome da Frente Popular pelo Renascimento da República Centro-Africana se refere ao slogan do grupo Seleka, que significa "coalizão". O grupo foi oficialmente dissolvido em setembro de 2013. Em março de 2013, as subunidades do Seleka, que consistiam na maior parte de milícias chadianas e sudanesas, conquistaram Bangui e derrubaram o presidente François Bozizé. Assim, na RCA começou a terceira guerra civil, na sequência da qual morreram mais de três mil pessoas e mais de um milhão se tornaram refugiados.

A violência exercida pelos rebeldes do Seleka, composto sobretudo de muçulmanos, levou ao aparecimento da milícia armada Anti-Balaka. Algumas subunidades desta milícia mais tarde se juntaram ao governo, outras subunidades continuam a provocar desordens no oeste do país.

No entanto, um antigo alto funcionário francês e especialista em República Centro-Africana, Thomas Dietrich, disse em entrevista à Sputnik França que os acontecimentos na RCA têm a ver com a luta pelos recursos naturais. Os grupos armados se concentram nas zonas ricas em recursos naturais. Em particular, assim atuam as subunidades do ex-Seleka, que controlam regiões petroleiras, de diamantes e de ouro.

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"Apesar da existência em um certo momento do mito que as milícias Anti-Balaka se uniram para combater contra os rebeldes do Seleka, que chegaram do Chade e Sudão, alguns deles, no entanto, são milicianos sem convicções políticas e cuja atividade se limita ao controle de algumas zonas, à extorsão da população, etc.", adicionou Dietrich, dando como exemplo da indefinição ideológica as alianças artificiais entre antigos rebeldes do Seleka e milícias Anti-Balaka.

Falta de uma ideologia clara é também típica para os "jihadistas cristãos" do Exército de Resistência do Senhor sob chefia do rebelde ugandense Joseph Kony.

"O Exército de Resistência do Senhor apareceu na RCA em 2009-2010 depois de ter sido expulso do Uganda e da República Democrática do Congo. O presidente da RDC, François Bozizé, chamou os ugandenses para lutar contra eles. O objetivo era justificar a presença do contingente ugandense no território da RCA", assinala o especialista francês.

A tomada de poder já não é o objetivo do Exército de Resistência do Senhor, o que não se pode dizer sobre os rebeldes do grupo Seleka apesar da sua ideologia vaga.

Ataque dos rebeldes a Bangui é 'irreversível'

Depois de terem perdido o poder em 2014, os rebeldes do Seleka querem o recuperar. E nem os acordos assinados em Bangue no verão de 2015, nem as eleições gerais que se realizaram no início do ano, influenciaram as posições dos ex-rebeldes do Seleka. Por isso, eles desenvolvem uma propaganda dupla, por um lado falando sobre opressão dos muçulmanos, que declaram estar protegendo, por outro — apontando para "falta de legitimidade" do presidente Faustin-Archange Touadéra.

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Para Amadou Ba, a Frente Popular pelo Renascimento da RCA aspira ao poder. Conforme a frente, "as eleições do presidente Touadéra foram erradas, ilegítimas". Levando em conta que o balanço de forças não é a favor do lado governamental, este tem que consertar o diálogo com a Frente Nacional que lhe impõe uma nova relação de forças.

Este diálogo é desenvolvido no âmbito da Iniciativa Africana pela Consolidação da Paz e Reconciliação na República Centro-Africana lançada pela União Africana e que visa levar a um acordo entre o governo e os grupos armados. Mas o reposicionamento das forças do exército governamental e a operação Sukula, cujo objetivo era a substituição por forças de segurança das unidades de autodefesa no quarteirão muçulmano de Bangui, são considerados pelos rebeldes do Seleka como hostis aos muçulmanos e levaram ao endurecimento das posições destes grupos. E agora nas relações entre as partes há uma desconfiança total.

Por exemplo, "a aquisição de equipamento militar pelas forças de defesa e segurança nacionais levou ao fato de alguns antigos rebeldes do Seleka também terem começado a se armar. Acham que o governo quer lutar contra eles", diz o relatório publicado por especialistas da ONU.

RCA como arena de interesses divergentes regionais e internacionais

Desde os anos 2000, o Chade controla a situação na República Centro-Africana. O país quer ampliar a esfera de sua influência na África Central. Tudo isso está ligado aos recursos naturais.

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Além disso, nada acontece sem o acordo da França, ressalta Thomas Dietrich. Paris deixou de apoiar Bozizé, que se tornou desadequado para o governo francês.

O ex-funcionário também não exclui que hoje tenha sido firmado algum acordo entre a França, o presidente centro-africano e o Chade para impedir a entrada dos russos na RCA. Os russos participam do treinamento dos militares e companhias russas também se dedicam à exploração de jazidas no país africano. "Por isso os franceses podem tentar recuperar suas posições na RCA e usar para isso o Chade e os ex-rebeldes do Seleka", ressaltou.

Quanto à ligação do que acontece na RCA ao assassinato dos jornalistas russos, Dietrich afirma que por enquanto é difícil dizer se tal ligação existe. Alguma mídia supõe que os rebeldes do grupo Seleka podem ter a ver com isso, mas o analista diz que o local onde eles foram capturados fica um pouco mais para sul da zona de influência dos ex-rebeldes.

"No entanto, não se pode excluir que não estejam envolvidos", opina Dietrich, bem como deve ser levado em conta o fato de os jornalistas russos poderem ter sido assassinados por causa da investigação sobre uma companhia mineira russa que funciona nesta região. Contudo, essa hipótese é refutada pela chancelaria russa.

O Ministério do Exterior da Rússia chama atenção ao fato da participação de companhias russas na extração de recursos naturais não ser nenhum segredo.

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