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Eleições 2018: Novatos terão pouco espaço na política com novo financiamento de campanha

© Foto / Elza Fiúza/ABrSessão de orientações sobre o uso correto da urna eletrônica e a importância do voto.
Sessão de orientações sobre o uso correto da urna eletrônica e a importância do voto. - Sputnik Brasil
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Gabriel Azevedo se elegeu vereador em 2016. Logo que decidiu ser candidato, porém, o político de Belo Horizonte se deparou com um “problema” daqueles: por 8 votos a 3, o Supremo Tribunal Federal julgou procedente em 2015 a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 4650, proibindo a doação de empresas a candidatos.

Gabriel, que se elegeu pela primeira vez a um cargo eletivo conquistando mais de 10 mil votos, se viu em um aperto financeiro pesado. “Como candidato, o pior momento de uma campanha é, sem sombra de dúvidas, captar recursos. Envolve uma própria timidez pessoal de pedir dinheiro. Ainda mais quando você ainda não está na política, as pessoas literalmente estão assinando um cheque em branco”, confessa o político.

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Ainda assim, Gabriel foi forçado a recusar atividades remuneradas para visitar bairros de Belo Horizonte, comparecer a jantares e a eventos de pré-campanha. Não demorou muito e precisou recorrer a um empréstimo bancário.

“Eu passei muito aperto financeiro. As pessoas não sabem quanto custa uma campanha bem-feita, é muito raro alguém se eleger sem uma campanha legal e quem tá entrando agora não tem o histórico de como se faz, como se gasta, fatores que prejudicam quem quer entrar no jogo e beneficiam quem já está”, diz Gabriel.

O problema enfrentado pelo vereador teve desfecho feliz, mas ele deve atingir pesado quem pretende se candidatar este ano: se por um lado, empresas estão proibidas de doar, por outro, pessoas físicas, com horror à política devido à série de escândalos que ocupam o noticiário nacional nos últimos anos, tampouco se mostram dispostas a contribuir. E sem ter quem financie as campanhas, especialistas ouvidos pela Sputnik concordam que a renovação legislativa este ano será bem menos expressiva do que espera a população.

Fundo público e financiamento próprio beneficiam quem já está no jogo

Professor da Fundação Getúlio Vargas e um dos principais especialistas em Ciências Políticas do país, Michael Mohallem tem acompanhado de perto os desdobramentos da proibição imposta pelo STF há três anos. Para ele, a intenção dos ministros foi boa no sentido de esperar que a proibição criasse candidatos mais alinhados com seus eleitores e, consequentemente, campanhas mais baratas e justas. 

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O Supremo só não foi capaz de antever o projeto que criou o Fundo Especial de Financiamento de Campanha, que ficou conhecido como "fundão". Trata-se de um enorme caixa na ordem de R$ 1,7 bilhão compostos pela compensação fiscal dos recursos pagos às emissoras de rádio e de TV por propaganda partidária, por multas aplicadas a partidos pela Justiça Eleitoral e por 30% do valor das emendas impositivas de bancadas.

“O movimento de renovação foi freado pelo fundão. Esse dinheiro vai ser usado em grande parte para financiar aqueles candidatos que têm medo de perder o foro (privilegiado). Provavelmente os partidos não vão estar focados em investir em novas candidaturas, em renovação da sociedade. Será um movimento de autopreservação e de blindagem”, acredita Mohallem.

Citando uma correlação forte entre os gastos de campanha e as chances de sucesso de um possível candidato, Mohallem avalia que o que o fim da doação de empresas vai fazer será “impulsionar campanhas inclusive de candidatos investigados na Lava-Jato, de gente que não teria muito apoio da sociedade”, na visão do especialista. 

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Outra possível consequência seria o que se convencionou chamar de “Efeito Doria”, em referência ao agora ex-prefeito e candidato ao governo de São Paulo, João Doria: na impossibilidade de bancar campanhas caras, as siglas iriam dar preferência a candidatos ricos capazes de pagarem eles mesmos os custos. “É natural que eles façam movimento de atração de candidatos ricos, com patrimônio pessoal alto. Doria é um exemplo de alguém que foi capaz de financiar boa parte da sua campanha”.

Gabriel tem visto a teoria na prática. Depois de eleito, o vereador se tornou professor do RenovaBR, uma organização fundada no final do ano passado que selecionou 100 pré-candidatos nunca antes eleitos, com a intenção de prepará-los para a campanha política deste ano. O resultado? Os candidatos, sobretudo os pobres vindos da periferia, estão tendo “uma dificuldade absurda” em captar recursos.

“Eu dei um exercício para eles pedindo que enumerassem cinco pessoas que doariam para as campanhas deles. A resposta é terrível. Candidatos mais da periferia ficam completamente perdidos [e se perguntam] ‘para quem eu vou pedir?’. E o pior é imaginar que os partidos aprovaram para si próprios um fundo bilionário. Você acha mesmo que vão ter acesso a esse fundo? Claro que não”, critica.

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O diretor-presidente do Instituto Ethos, Caio Magri, tem denunciado o que chama de “ovo da serpente da corrupção”: as doações empresariais. Para a organização, que congrega desde 1998 um grupo de empresários e executivos da iniciativa privada em busca da “troca de experiências e análise de gestão”, a proibição às contribuições de empresas é um caminho sem volta.

Magri concorda que "o que veio no lugar das doações empresariais", que em 2014 chegaram a representar 95% de toda a campanha à presidência e 80% na média nacional, “não resolveu o problema, mas não é voltando a elas que corrigiremos a questão”.

“O caminho passa pela efetivação de uma campanha mista composta pelo fundo público efetivo e contribuição de pessoas físicas limitadas a um valor absoluto, algo em torno de R$ 10, R$ 20 mil reais”, sugere Magri. 

Ele também defende a regulamentação do uso de “canais de comunicação para campanhas, a redução de partidos e a territorialidade das campanhas”. 

“A sociedade precisa financiar o seu próprio processo eleitoral, mas com recursos muito menores, suficientes a campanhas reduzidas e mais baratas. Precisa haver também um fundo público único, unindo o fundo partidário de sustentação e o de campanhas. Se o partido quiser optar por usar esses recursos para construir um palácio em Brasília em detrimento da campanha eleitoral, problema dele, mas os recursos seriam só estes”, argumenta.

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Magri acredita que a captação de recursos com a militância dos partidos pode também ser uma alternativa. “Os filiados tinham que contribuir financeiramente junto a um trabalho de engajamento com a sociedade”, propõe.

Como nada disso acontece até outubro, os candidatos novatos querem soluções mas rápidas para amenizar o problema. E a saída pode ser só uma: a internet. Gabriel, que usa vídeos e responde pessoalmente às mensagens enviadas para ele no Facebook, acredita que será no ambiente digital que os novatos da política poderão fazer a diferença e burlar o controle partidário aos fundos disponíveis para o pleito deste ano.

“Acho esse modelo muito legal, que é usar a internet de forma direta.  Ele gera uma participação com as pessoas, você vai criando o perfil do seu eleitor para na hora que chegar a campanha, você sabe com quem e como conversar”, defende. O vereador conclui que, só a partir daí, será possível construir transformações verdadeiras no país.

“Muita gente está com raiva da política no Brasil, mas pouca gente para pensar onde esses problemas começam”, conclui Gabriel.

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