O que significa acordo marítimo sem precedentes entre Austrália e Timor-Leste?

© AFP 2023 / Valentino Dariell DE SOUSAVista geral dos barcos no porto de Díli, em Timor-Leste (foto de arquivo)
Vista geral dos barcos no porto de Díli, em Timor-Leste (foto de arquivo) - Sputnik Brasil
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A história do pequeno estado na região asiática, Timor-Leste, tem sido marcada pela luta constante na segunda metade do século XX. Porém, parece que apenas hoje as exigências e necessidades deste país lusófono começaram a ser ouvidas pelos seus vizinhos. A Sputnik explica como Díli conseguiu vencer na dolorosa disputa territorial com a Austrália.

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O recente acordo assinado entre Timor-Leste, vítima de longa ocupação estrangeira e guerra civil, mergulhada em litígios marítimos com seus vizinhos gigantes, como a Austrália, foi uma surpresa para muitos, pois finalmente falou a favor das reclamações timorenses. Propomos fazer uma breve retrospectiva do conflito e analisar as perspectivas da realização do documento celebrado.

Uma das nações independentes mais jovens no mundo

De fato, Timor-Leste é um dos Estados mais novos no globo por ter obtido sua independência apenas no século corrente, em 2002. O caminho da luta nacional pelas suas terras, recursos e poder soberano tem sido tão espinhoso que levou até a um inédito genocídio que durou por mais de duas décadas.

Por mais de 100 anos, o país esteve sob domínio português na sequência de longas disputas dos portugueses com os holandeses por territórios coloniais na Ásia. Na época, Timor-Leste era a região mais atrasada de todos os territórios possuídos por Lisboa, o que influiu, em grande parte, no seu futuro pós-colonial.

Entretanto, vale ressaltar que na história timorense existiram outras "metrópoles", ou, mais corretamente dito, potências "ocupantes", como são chamadas pelos residentes locais. Assim, ainda em 1941, Timor-Leste foi ocupado pelas tropas australianas sob pretexto de o defenderem da invasão japonesa (foi, contudo, devolvido ao governo de Salazar após o fim da Segunda Guerra Mundial), enquanto a Indonésia recém-independente, que recebeu a parte ocidental de Timor, começou a se interessar pela parte restante da ilha, o que também influenciou sua consequente trajetória.

Após o triunfo da Revolução dos Cravos, Timor-Leste, da mesma forma que as colônias portuguesas na África, obteve a chance de construir seu próprio Estado soberano, porém, ainda tardou muito até que Díli o fizesse. O problema é que a Indonésia, que evidentemente não queria ver um regime nacionalista de esquerda no poder, logo iniciou a ocupação do país vizinho. Sua "vida" independente durou apenas 9 dias, até que as tropas indonésias se instalassem no território e o proclamassem como sua província.

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Existem inúmeros fatos que apontam para as atrocidades cometidas contra a população local na parte oriental na ilha (foram mortos cerca de 20% dos habitantes), justificados pela chamada luta contra a "peste comunista", ou seja, o movimento de esquerda que defendia as ideias nacionalistas no país.

Deste modo, Timor Leste viveu a segunda época de colonização, muito mais esmagadora que a portuguesa e que alguns especialistas até comparam com o regime do Khmer Vermelho de Pol Pot no Camboja. Apenas em 2002, após um período transitório de vários anos, Díli finalmente ganhou sua independência. Entretanto, as disputas com os vizinhos continuavam pendentes…

Sem recursos para prosperar

Contudo, após ter obtido a independência, a luta timorense pelo seu bem-estar não acabou. Naturalmente, o país estava em uma condição muito vulnerável dadas as décadas de resistência; ademais, carecia de recursos naturais para incentivar um desenvolvimento econômico, ao menos a ritmos humildes.

E qual foi a razão para isso? Esta se enraíza, de novo, na concorrência das grandes potências vizinhas, nomeadamente a Austrália e Indonésia, pelas ricas jazidas de petróleo e gás no mar de Timor. Em resultado, as autoridades australianas formalmente reconheceram a autoridade timorense sobre a sua parte da plataforma continental para exploração, porém, descartaram seu direito, como Estado soberano, de definir o leque de parceiros internacionais neste processo.

Para mais, a Austrália fez questão de acordar que as partes não recorressem a instituições internacionais para resolver o litígio ao longo dos próximos 50 anos, o que, de fato, deixou Timor-Leste cara a cara com um gigante regional que possuía o pleno controle das questões críticas para a própria sobrevivência de Timor-Leste como Estado.

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Passados vários anos, também marcados por tumultos nas camadas governantes timorenses, as duas partes finalmente conseguiram sentar-se à mesa de negociações, por mais inédito que pareça. O processo de divisão das fronteiras marítimas levou onze intensas rodadas de conversações durante 19 meses, mas acabou em 7 de março com um resultado inesperado para muitos céticos.

Avante para um futuro luminoso?

Pois, muitos achavam que tal acordo levaria ainda muitos anos para ser celebrado, se algum dia o fosse. Contudo, apesar de todas as dificuldades, o documento sobre a exploração da jazida Greater Sunrise acabou por ser assinado, prometendo um ímpeto forte para a frágil economia timorense.

Estima-se que o valor total da respectiva plataforma atinja os US$ 50 bilhões (mais R$ 160 bilhões).
O documento, celebrado na sede das Nações Unidas em Nova York pela chanceler australiana, Julie Bishop, e o vice-premiê timorense, Agio Pereira, já foi qualificado pelo secretário-geral da ONU, o português António Guterres, como um exemplo da "eficácia da lei internacional na resolução pacífica de disputas".

Vale ressaltar que se antes, quando obteve sua independência em 2002, Díli possuía apenas 18% das receitas da Greater Sunrise, na sequência do novo tratado sua parcela pode se elevar até 80%, o que certamente proporciona grandes esperanças para a prosperidade do povo timorense.

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Na verdade, a parcela destinada a Díli em conformidade com o acordo não tem precedentes e, caso seja eficientemente realizada, garantirá o muito esperado "boom" econômico para um país mergulhado em conflitos internos e externos. Entretanto, ainda restam dúvidas e ameaças que poderão travar o tão desejado avanço.

Uma delas é a possível tentativa da Indonésia de intervir na inesperada divisão de fronteiras. Jacarta e Canberra sempre tiveram relações difíceis no que se trata do assunto e por muitas décadas tentaram evitar a revisão dos respectivos territórios, porém, alguns especialistas indicam que o recente acordo pode "fazer a bomba detonar".

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