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Intervenção federal deixará legado para a segurança pública no Rio?

© AFP 2023 / CHRISTOPHE SIMON  / Acessar o banco de imagensRetirada do Corpo de Fuzileiros Navais do Complexo de Favelas da Maré, na zona norte do Rio, em 30 de junho de 2015
Retirada do Corpo de Fuzileiros Navais do Complexo de Favelas da Maré, na zona norte do Rio, em 30 de junho de 2015 - Sputnik Brasil
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Desde que o presidente Michel Temer aprovou a intervenção federal no Rio de Janeiro, a paisagem da Cidade Maravilhosa ganhou a presença de tanques, um novo ministério foi criado e, entre aprovações e críticas, o assunto tomou conta da sociedade. O significado desta operação para a segurança no Rio, no entanto, ainda permanece uma incógnita.

Na última terça-feira (27) o general Braga Netto, nomeado pelo governo federal para comandar a atividade de segurança na intervenção no Rio de Janeiro, concedeu uma entrevista coletiva para explicitar os detalhes da operação. Entretanto, em uma cerimônia marcada pelo protocolo, poucos esclarecimentos foram concedidos aos jornalistas. A Sputnik Brasil explica o que poder estar por trás da decisão federal de intervir com tropas na segurança do Rio e os possíveis desdobramentos desta operação. 

Por que o Rio?

De acordo com as declarações oficiais mais difundidas, as causas principais que levaram o governo federal a adotar a intervenção federal como solução para a segurança pública estão ligadas à falência das estruturas policiais do Rio de Janeiro e da falta de controle do Estado sobre o crime organizado. 

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Ainda em outubro de 2017, o ministro da Justiça fez uma polêmica declaração em que afirmou que o governo do RJ não tem controle sobre a Polícia Militar no Rio de Janeiro, denunciando o envolvimento de comandantes da PM com o crime organizado. Na ocasião, o ministro disse que, em conversas com o secretário de Segurança do Estado, Roberto Sá, e com o governador, Luiz Fernando Pezão, identificou que a "Polícia Militar não tem comando". 

Em contrapartida, especialistas acreditam que há uma forte motivação política para a operação federal no Rio de Janeiro. Para o pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica e Aplicada (Ipea), Daniel Cerqueira, a operação "sem dúvida tem uma motivação política". 

"Se não fosse essa intervenção hoje, os jornais estariam falando do fracasso de não ter conseguido se fazer a reforma da Previdência", afirmou o especialista à Sputnik Brasil, classificando a decisão da intervenção como um "golpe de mestre" do governo federal. 

Outro ponto que sustenta o aspecto político da operação diz respeito ao crime organizado, que, segundo o pesquisador, é muito mais alto em outros Estados. 

"Quando olhamos a taxa de crimes no Brasil, ainda que a taxa de crimes violentos letais no Rio de Janeiro tenha crescido bastante. Ainda assim, o Rio de Janeiro hoje é a 11ª unidade federativa com maior número de crimes […] se for levar em conta essa proporção de crimes, teria que ser feita a intervenção em 10 outros Estados", observou Daniel Cerqueira. 

Além disso, decisão do governo federal tem sido visto como uma manobra de Michel Temer para aumentar a sua popularidade frente à população — sobretudo ao não conseguir aprovar a reforma da Previdência. Apesar do presidente negar buscar a reeleição, o marqueteiro de Temer reconheceu que a intervenção é uma forma para o presidente "resgatar a biografia" e citou a possibilidade de Temer reeleger. Neste sentido, o Rio de Janeiro, sendo uma vitrine para o país, cumpre a função de trampolim para as supostas intenções políticas do governo.  

Bancada da bala "na carona"

Em meio à intervenção federal no Rio de Janeiro, o Congresso Nacional se prepara para avançar com a proposta de flexibilizar o estatuto do desarmamento. A expectativa é que a chamada "bancada da bala" aproveite a popularidade que goza a retórica da força durante a presença das tropas no Rio de Janeiro para fazer pressão sobre o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, para que ele coloque em pauta o projeto que enfraquece o estatuto do desarmamento, ampliando a autorização para a posse de armas no país.  

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O deputado Alberto Fraga (DEM-DF), cotado para ser o relator do projeto no plenário, disse durante a semana que o pacote não tem a ver com a crise de violência no Rio de Janeiro, mas visa "discutir a discricionariedade do delegado de Polícia Federal, que é quem autoriza ou não a concessão da posse”. Para o deputado, que defende o fim do estatuto do desarmamento, a atual proposta prevê que poderá ter armas em casa qualquer um que não tenha antecedentes criminais, realize aulas de tiro e seja aprovado em um exame psicotécnico. Atualmente, a posse de armas é permitida apenas sob avaliação da Polícia Federal. 

Já o coronel da reserva da Polícia Militar, ex-Coordenador Geral das Unidades de Polícia Pacificadora (UPP) e antropólogo do Laboratório de Análise da Violência da UERJ, Robson Rodrigues, afirmou à Sputnik Brasil que, se aprovada, a flexibilização do estatuto do desarmamento, será "a pior inovação legislativa em termos de segurança pública que se fez nas últimas décadas" no Brasil. Segundo ele, o resultado vai ser um aumento ainda muito maior na taxa de crimes violentos.

"Existe hoje uma sociedade brasileira totalmente aturdida em face da violência em tudo quanto é canto do país, as pessoas estão com medo, tão temerosas, e esse medo é que termina às vezes sendo um péssimo conselheiro […] Os congressistas, conhecidos como a Bancada da Bala, que são financiados justamente pela indústria armamentista, estão aproveitando de forma irresponsável esse momento que a sociedade está aturdida com a violência pra botar essa legislação na mesa", destacou.  

Intervenção X desmilitarização 

Por outro lado, a questão da desmilitarização da Polícia Militar volta à tona na contramão da atual operação federal na forma de crítica ao modelo militarizado de lidar com a segurança pública. Ao passo que militares fazem uma pressão ostensiva em comunidades no Rio de Janeiro e desfilam tanques pelas ruas da cidade, aumentam as críticas à intervenção por partes de organizações de direitos humanos, especialistas em segurança pública e políticos críticos ao governo estadual e federal. 

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A ideia é que a lógica militar e da força, que busca sempre um inimigo a ser combatido, esteja no cerne da corporoção policial, seja transformada em um modelo em que a diretriz operacional da instituição seja de proteger os direitos dos cidadãos.   

Para o pesquisador do Ipea, a ideia de demilitarizar a Polícia Militar não é suficiente para ter um modelo policial efetivo para a segurança pública.   

"Eu acho que apenas a desmilitarização, ainda que seja importante, não é a solução, na verdade para a solução vai ter que se introduzir uma série de elementos, entre os quais acho que mais importante do que falar em desmilitarização é falar em um ciclo único de polícia", afirmou Daniela Cerqueira. 

Segundo ele, um dos grandes problemas da atual estrutura de segurança do Rio de Janeiro é a divisão de polícias, em que uma faz o trabalho ostensivo de represssão e outro faz o trabalho de investigação. 

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Já o coronel Robson Rodrigues argumenta que, mesmo sendo favorável à desmilitarização, o mais importante é falar em modernizar as instituições, tendo em vista que o debate sobre a desmilitarização carrega um forte aspecto ideológico. 

"A ideologia de segurança nacional, a ideologia militar, está na cabeça não só dos policiais militares, mas também em uma boa parcela da sociedade brasileira. A gente confirma isso com essas opiniões de sonho de uma militarização da sociedade, então a gente precisa desmilitarizar no sentido de erradicar uma ideologia de segurança nacional, que é estado-cêntrica e partir para uma ideologia de segurança cidadã […] centrada nos interesses da cidadania, interesses da nossa democracia", destaca o coronel.   

Legado 

Nas primeiras semanas que se seguiram a partir do anúncio do presidente Michel Temer sobre a intervenção federal, é possível concluir que existem dois tipos de consenso sobre a situação da segurança pública no Rio de Janeiro.

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Por uma lado, apoiadores da medida argumentam "que algo precisava ser feito", tendo em vista o caos da violência no Rio e a falta de comando das autoridades policiais. Por outro lado, críticos à intervenção argumentam que a decisão foi feita de maneira improvisada e sem planejamento.   

O pesquisador do Ipea, Daniel Cerqueira, por exemplo, destaca que "ninguém dispõe de informações suficientes pra dizer o que que vai acontecer", mas ressalta que o termômetro para um possível legado será a capacidade do interventor de proveitar esses 10 meses pra fazer um trabalho intensivo de planejamento pra tentar reestruturar e fazer a limpeza da polícia carioca.  

"Se for pelo caminho do espetáculo midiático, botar tanque na rua, no meio da praça, pra mostrar poder, que foi esse o caminho que não funcionou em nenhum lugar no mundo, podemos esperar um verdadeiro desperdício de recursos públicos", conclui o pesquisador. 

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