Qual é o objetivo da operação da Turquia na Síria e por que Moscou não protesta?

© AP Photo / Lefteris PitarakisOperação militar turca na cidade de Afrin, na Síria, em 20 de janeiro de 2018
Operação militar turca na cidade de Afrin, na Síria, em 20 de janeiro de 2018 - Sputnik Brasil
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Há quase uma semana, as forças turcas deram início à operação militar na província síria de Afrin, visando combater os agrupamentos armados curdos. A Sputnik explica para que Ancara se envolveu nesta "aventura" e qual é a postura das grandes potências em relação à respectiva campanha.

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Esta já é a segunda vez que a Turquia interfere militarmente no território sírio nos últimos anos. A primeira foi realizada no outono de 2016, com a operação batizada como Escudo de Eufrates, na sequência da formação de um enorme enclave curdo ao longo da fronteira sul turca.

Já em janeiro de 2018 a "última gota" para as autoridades turcas foi a iniciativa polêmica, expressa por Washington, conhecida pela sua longa experiência de apoio prestado aos curdos. A ideia consistiu em criar uma espécie de "forças de segurança" nas zonas controladas pelas milícias curdas apoiadas pelas Forças Democráticas da Síria (FDS).

Do ponto de vista do governo turco, para quem a questão curda tem sido uma grande dor de cabeça por muitos anos, isto representa uma tentativa de criar uma "cabeça de ponte estadunidense" situada perto da fronteira entre os dois Estados. Para Ancara, isto é um perigo sério, tanto mais que ela considera o Partido dos Trabalhadores do Curdistão (PKK), vinculado com o "exército" curdo, as YPG, como organização terrorista.

Deste modo, as autoridades turcas declaram como a razão principal da sua campanha o desejo de limpar a zona fronteiriça da ameaça terrorista e criar uma zona tampão de 30 quilômetros. Este objetivo, embora não seja o único, foi de fato reconhecido por muitos outros atores estrangeiros, até pela Europa que, apelando cautelosamente para a moderação, não chegou a condenar publicamente a operação turca.

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Quanto ao governo sírio, este criticou ferozmente as medidas militares de Ancara, tomando em consideração que estas são reforçadas pela parceria com o Exército Livre da Síria, grande força de oposição ao regime de Assad no país.

Entretanto, vale nebcionar que não se trata apenas de boas intenções de Erdogan para manter a integridade territorial tanto do seu próprio país quanto da Síria, mas também da sua estratégia geopolítica. No caso de terminar a operação com sucesso, o que é o mais provável, dada a preparação e experiência em combate dos militares turcos contra independentistas curdos, o presidente do país se provará como um líder forte, ganhando ainda mais pontos aos olhos dos seus próprios cidadãos, outras forças políticas na Turquia e inclusive da comunidade internacional.

Rússia apoia, mas cautelosamente

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A reação de Moscou em relação à notícia que chegou da fronteira turco-síria em 20 de janeiro foi bem cautelosa: o país apelou para moderação e reiterou sua fidelidade ao princípio da integridade territorial. Porém, claro que seria ingênuo pensar que o Kremlin não tinha conhecimento de antemão sobre a operação em planejamento.

Segundo opina a maioria dos especialistas, Ancara não poderia ter ignorado a postura de Moscou, ator importantíssimo na região que aumentou drasticamente seu papel após a operação aérea bem-sucedida realizada contra os terroristas no território sírio. De fato, o presidente turco deixou claro: a Turquia tinha coordenado sua campanha com a Rússia com antecedência, e esta não apresentou objeções.

Por que isto aconteceu? Primeiro, é importante frisar que o Kremlin deu "luz verde" à intenção turca apenas após tentar todas as outras medidas conciliadoras. Sabe-se que a Rússia por repetidas vezes convidou os curdos à mesa de negociações em torno da crise síria, mas sem grande sucesso.

Até à situação de hoje, como comunicaram os próprios curdos, Moscou inicialmente tinha lhes proposto entregarem os territórios controlados por eles ao governo de Assad, matando "dois coelhos" ao mesmo tempo, ou seja, garantindo a segurança para si e a integridade territorial para a Síria.

Porém, como não é difícil de adivinhar, recebeu uma recusa. Os curdos, de novo, optaram por contar com a ajuda estadunidense que, por sua vez, não chegou.

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Em segundo lugar, claro que para a Rússia é mais vantajoso enfraquecer um grupo armado, ademais com vínculos polêmicos, apoiado pelos EUA e muitas vezes apanhado em flagrante por ligações com o Daesh, organização terrorista proibida na Rússia. Por isso, Moscou toma uma posição neutral, garantindo que Ancara efetue esta campanha por si mesma.

Terceiro, se trata também de uma corrida geopolítica. De fato, a atual operação turca e a insegurança em Afrin, enclave cercado por territórios rivais e separado de outras áreas curdas, é mais um golpe duro contra o renome de Washington como grande ator no Oriente Médio e outra prova de que a Casa Branca acabou por ficar fora do jogo na resolução da crise síria, tudo isto no contexto da ascensão diplomática e militar russa nos mesmos territórios.

Derrota dos EUA?

No contexto da "aventura" turca em Afrin, Washington de fato "lavou as mãos", deixando ao seu destino uma força que tinha apoiado por muito tempo.

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Vale destacar que a principal exigência apresentada por Ancara como condição para a paz e termino da intervenção militar é que os EUA cessem de fornecer suas armas às milícias curdas, enquanto estas também devem devolver os armamentos que já estão em sua disposição. Entretanto, os curdos se recusaram, optando pela confrontação militar, por mais dolorosa que ela seja.

Mas por que, então, o Pentágono decidiu abandonar a força que tinha apoiado com tal zelo ao longo de décadas? A maioria dos especialistas afirma que a perspectiva de uma confrontação militar com a Turquia seria um preço alto demais a pagar pela oportunidade de interferência limitada no território sírio.

Caso os EUA tivessem acabado por decidir defender sua "criatura", os curdos sírios, isto significaria de fato uma guerra aberta com a Turquia, a segunda maior potência militar da OTAN, e o consequente eventual colapso do bloco. Em vez disso, Washington decidiu seguir sua histórica regra de fidelidade aos interesses nacionais (optar por aquilo que é mais vantajoso) e não arriscar.

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