Como Portugal deixou Venezuela sem pernil de porco no Natal

© AFP 2023 / ROBERT SULLIVANPernil de porco servido nos EUA, estado de Alabama
Pernil de porco servido nos EUA, estado de Alabama - Sputnik Brasil
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O governo de Nicolás Maduro não conseguiu cumprir a promessa de garantir que todos os venezuelanos tivessem um apetecido e tradicional pernil para comemorar a passagem do ano e vê nisto a pata dos EUA.

A falta de pernil de porco levou à realização de manifestações na Venezuela, onde as pessoas esperavam que esta mercadoria estivesse disponível e fosse vendida a preços subsidiados para as celebrações do final do ano, como foi prometido pelo presidente Nicolás Maduro.

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O pernil de porco faz parte das tradições de Natal e fim de ano na Venezuela. E, numa altura de crise e de escassez de alimentos no país, o presidente Nicolás Maduro prometeu oferecer pernil aos venezuelanos através dos Comitês Locais de Abastecimento e Produção.

Maduro reconheceu que houve dificuldades na distribuição da famosa e tradicional iguaria da época na Venezuela (em Portugal, por exemplo, é mais tradicional o bacalhau cozido e o peru), justificando o problema com a existência de alegado boicote internacional ligado, em sua opinião, às severas sanções financeiras impostas por Washington e a uma "sabotagem" de Portugal, de onde é importada esta carne.

Na sequência das declarações de Maduro, o ministro dos Negócios Estrangeiros português, Augusto Santos Silva, rejeitou na quinta-feira (28) a acusação de sabotagem à venda de carne suína, frisando que Portugal é uma economia de mercado em que o governo não interfere nas relações entre empresas.

O líder venezuelano explicou ao site venezuelano El Nacional que este fornecimento estava contratualizado com produtores portugueses e que tinha sofrido uma ação de "sabotagem" como forma de desestabilizar o país.

"Sobre a entrega do pernil, sabotaram-nos. Um país em particular, Portugal. Porque nós comprámos todo o pernil que havia na Venezuela e fomos obrigados a encomendar fora para completar o restante necessário e sabotaram-nos", explicou.

"Fiz um plano, esse plano foi cumprido, mas fomos sabotados pelos barcos que os traziam", tendo o dignitário venezuelano aludido também a intervenções bancárias estranhas para dificultar o pagamento da mercadoria.

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Por sua vez, o Ministério dos Negócios Estrangeiros português assumiu que vai recolher informação sobre o que se terá passado com o envio de pernil de porco para a Venezuela. A questão é bastante sensível, devido à enorme comunidade portuguesa que vive na Venezuela e ao fato de estar prevista uma visita do governante português a Caracas nos próximos dias.

Em declarações à rádio portuguesa TSF, o ministro Augusto Santos Silva afirmou que irá contatar a embaixada portuguesa na Venezuela e garantiu que não houve nenhuma interferência política.

"O governo português não tem, seguramente, esse poder de sabotar pernil de porco. Nós vivemos numa economia de mercado e as exportações competem às empresas. Vou perguntar à nossa embaixada na Venezuela o que se passa. Evidentemente, não há aqui nenhuma interferência política porque o governo português não interfere no pernil de porco. Primeiro vamos apurar os fatos e depois tiraremos as conclusões", disse o ministro Augusto Santos Silva.

À agência noticiosa portuguesa Lusa, o ministro afirmou estar ainda recolhendo informações sobre o caso, admitindo ter havido "um problema comercial", mas acrescentou dispor já de dados que apontam para que a carne tenha sido de fato exportada, tendo falhado possivelmente a sua distribuição na Venezuela.

"No momento, a informação de que disponho é que de fato há contratos de fornecimento de carne de porco portuguesa para a Venezuela. Da parte de empresas portuguesas, esses fornecimentos foram feitos, estão contratualizados e, portanto, a questão de saber se a carne de porco foi distribuída ou não na Venezuela diz respeito às autoridades venezuelanas", declarou.

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Santos Silva afastou a possibilidade de chamar o embaixador venezuelano em Lisboa para esclarecimentos, repetindo que a questão não é política.

"Tenho informação bastante para dizer que não há aqui qualquer questão política, qualquer questão político-diplomática, muito menos qualquer boicote ou sabotagem da parte das autoridades portuguesas", assegurou.

No final do ano passado, a Venezuela comprou pernil em Portugal através de um negócio com a empresa Agrovarius. Segundo o Jornal de Negócios, a empresa vendeu 14 mil toneladas de carne para a Venezuela por 63,5 milhões de euros (247 milhões de reais).

Contatadas pela Sputnik Brasil, várias pessoas envolvidas no negócio, que não se quiseram identificar, foram explicando parte do problema. Há anos que a Venezuela comprava a crédito grande parte deste tipo de mercadorias, com a diminuição abrupta dos preços do petróleo e com a crise política econômica as empresas portuguesas passaram a vender estas mercadorias apenas depois da transferência do dinheiro. Apesar disso, parte do dinheiro foi transferida imediatamente e a mercadoria foi colocada em navios para a Venezuela.

"Onde o presidente Maduro pode ter razão é que, não só parte das transferências bancárias tiveram um procedimento anômalo, e muito mais burocrático, por parte da banca internacional, como algumas das embarcações demoraram um tempo extraordinariamente longo a proceder à entrega, tendo apenas metade da mercadoria chegado no tempo certo", afirma à Sputnik uma fonte de uma empresa de comércio internacional que trabalha com a Venezuela.

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Outra fonte do setor, consultada pela Sputnik, concorda e acrescenta que "a responsabilidade não pode ser assacada às autoridades portuguesas, este tipo de atrasos não é normal, mas é normal que, havendo dívidas a ser saldadas, e apesar das autoridades de Caracas garantirem que serão brevemente saldadas, os produtores portugueses só vendam a mercadoria mediante o recebimento do dinheiro", justificou este empresário à Sputnik.

No comunicado do Ministério dos Negócios Estrangeiros confirma-se que o ministro Augusto Santos Silva visitará a Venezuela, entre 6 e 9 de janeiro, "para contatos com as comunidades e as empresas portuguesas com investimentos naquele país e para copresidir à XI Comissão de Acompanhamento Luso-Venezuelana que terá lugar na segunda-feira, dia 8. O ministro será acompanhado pelo secretário de Estado da Internacionalização, Eurico Brilhante Dias".

O programa conta na segunda-feira, dia 8, com a participação de Santos Silva na XI Comissão de Acompanhamento Luso-Venezuelana. O ministro português deverá proceder à abertura e ao encerramento dos trabalhos e terá também encontros com o presidente da Assembleia Nacional e com o ministro das Relações Exteriores venezuelano, Jorge Arreaza, altura em que provavelmente será esclarecido o imbróglio dos pernis de porco.

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