Decisão de Trump sobre Jerusalém lança alicerces para nova guerra árabe-israelense?

© REUTERS / Mussa QawasmaManifestantes palestinos atacados com gás lacrimogêneo pelas tropas israelenses durante um protesto contra a decisão do presidente dos EUA, Donald Trump, de reconhecer Jerusalém como a capital de Israel, em 9 de dezembro de 2017
Manifestantes palestinos atacados com gás lacrimogêneo pelas tropas israelenses durante um protesto contra a decisão do presidente dos EUA, Donald Trump, de reconhecer Jerusalém como a capital de Israel, em 9 de dezembro de 2017 - Sputnik Brasil
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Como se fosse pouco, recentemente no Oriente Médio rompeu uma nova escalada no conflito árabe-israelense devido aos passos ousados da Presidência estadunidense. A Sputnik explica como pode ter sido motivada a respectiva estratégia da Casa Branca e se devemos esperar uma nova "intifada" dos palestinos contra os "ocupantes" israelenses.

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Não seria um exagero dizer que o conflito arrastado entre os palestinos e os israelenses no Oriente Médio tem sido o mais doloroso e difícil de resolver ao longo de décadas. Entretanto, os últimos anos pareciam consideravelmente calmos, com o inédito acordo entre as forças Hamas e Fatah, grupos que têm se confrontado no decorrer de muitos anos.

Havia no ar uma esperança de que, finalmente, começasse algum processo de paz eficiente entre as partes, dado que o líder norte-americano, Donald Trump, tocou neste tema bem frequentemente a até efetuou uma viagem para negociar tanto com os líderes israelenses como palestinos na primavera deste ano.

Mas tudo mudou em um dia — e pôs em questão a resolução do conflito de uma vez por todas, pelo menos nas condições políticas de hoje.

Trump — o líder mais 'pró-israelense' na história?

Em 6 de dezembro, o presidente Trump fez uma declaração histórica — ao "aceitar uma realidade existente", reconheceu Jerusalém como a capital oficial de Israel, o que provocou uma onda de indignação acesa por parte da população árabe da área e das zonas vizinhas.

Vale ressaltar que, evidentemente, Donald Trump, desde o início da sua governança e até no contexto da corrida presidencial, se mostrou como um político bem inclinado a apoiar as autoridades israelenses, inclusive até os defensores ativos das ideias do sionismo, ou seja, a unificação e ressurreição do povo judeu no território de Israel.

Isso foi algo que o diferenciou significativamente do seu antecessor — pois para algumas camadas da elite israelense as relações bilaterais na época de Obama foram as piores da história.

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Entretanto, Trump também tem sempre destacado a "vontade" dos israelenses para alcançar a paz na região e se mostrou otimista em relação a este processo. "Eu vou começar o processo de paz em toda a região do Oriente Médio, e será uma conquista sem precedentes", disse o presidente durante a visita a Jerusalém em maio, durante a qual ele virou o primeiro chefe de Estado norte-americano a orar junto ao Muro das Lamentações.

Ademais, alguns analistas frisam também o papel da filha do presidente, Ivanka Trump, e seu marido, Jared Kushner, na equipe presidencial, dado que ambos eles professam o judaísmo. Já o genro do presidente norte-americano se ocupa da resolução do conflito árabe-israelense dentro da administração e, provavelmente, desfruta de certas alavancas para influir no processo.

Símbolos que valem

Mas será que os passos recentes da Presidência estadunidense contribuem na verdade para a causa da paz? Parece que nem por isso, embora de fato esta decisão não mude nada.

Primeiro, a decisão do Congresso dos EUA sobre a deslocação da embaixada americana para Jerusalém já existe por mais de 20 anos, desde 1995, só que todos os líderes a prometiam assinar, mas adiavam cada vez que podiam. Trump, nesse respeito, não mentiu nem ao seu eleitorado, nem à comunidade internacional, pois falava disso na corrida eleitoral e o fez na sua governança, ao contrário dos seus antecessores.

Segundo, Jerusalém, além de ser uma cidade disputada, já alberga a residência do presidente, o parlamento (knesset) e o governo israelenses. É aqui que decorre a maioria das negociações internacionais e se concedem as credenciais aos diplomatas. Em outras palavras, Jerusalém é a capital israelense "de facto", a coisa é que agora ganhou seu status "de jure".

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Por que, então, este é um fator tão significante, se continua apenas simbólico? Como costumam dizer os especialistas em assuntos de Oriente Médio, nesta região "os símbolos valem", e valem muito. A coisa é que, falando de Jerusalém, Trump não se ocupou a destacar a parte oriental da cidade, que é considerada pelos palestinos como a capital do seu futuro Estado independente.

É verdade que em um comunicado oficial a Presidência estadunidense evitou definir as fronteiras definitivas e zonas de controle dentro da cidade. Porém, mesmo tomando em conta esta ressalva, com o reconhecimento de Jerusalém como capital israelense Trump, de fato, deixou claras as preferências da Casa Branca neste conflito.

Por que é esta questão tão sensível?

O problema da identidade de Jerusalém tem sido sensível desde a própria criação do Estado de Israel. Antes de 1947, os respectivos territórios tinham sido governados pelo chamado mandato britânico emitido pela Liga das Nações em 1922 na sequência de uma migração maciça de judeus para os territórios palestinos no início do século XX.

No entanto, após a Segunda Guerra Mundial, em 1947, a ONU adotou a resolução que dividiu a Palestina em dois Estados, judaico e árabe, definindo Jerusalém como cidade sagrada tanto para judeus como para árabes e cristãos e concedendo-lhe um status neutro, pois esta alberga santuários importantes para todas as três religiões.

Embora oficialmente o status da cidade tenha permanecido o mesmo até hoje, os israelenses, de fato, ocuparam sua parte ocidental em resultado da Guerra pela Independência (1947-48). Já na sequência da Guerra dos Seis Dias, em 1967, conseguiram se estabelecer em todo o território da cidade.

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Desde aí, os palestinos têm inúmeras vezes reiterado que os bairros orientais de Jerusalém devem representar sua futura capital, enquanto os israelenses se têm se baseado na lei do knesset, datada de 1980, que proclama a cidade como a capital "única e indivisível". Já a comunidade internacional, em sua maioria, continua não atribuir nenhuma autoridade a esta cidade sagrada.

Haverá 3ª intifada?

Resumindo tudo, se pode dizer que, com sua decisão, Trump "garimpou" a ferida que recentemente tem começado a se cicatrizar um pouquinho, mas continua profunda. Os ativistas palestinos já realizaram um "dia da ira", o Hamas proclamou o começo da terceira intifada, enquanto as forças em confronto trocam ataques de mísseis.

No contexto de tudo isso, surge a pergunta se na verdade estamos enfrentando uma terceira deflagração da luta independentista palestina que, das últimas duas vezes, já levou milhares de vidas?

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Na verdade, assinala a maior parte dos analistas, este seria um cenário exagerado. Provavelmente, o escândalo acalmará passado algum tempo, pois hoje em dia a nova intifada não é vantajosa para muitos países árabes, inclusive o Egito, a Jordânia, o Líbano e a Arábia Saudita. Para a última, uma nova intifada significaria o crescimento da influência iraniana na região, o que Riad não pode aceitar, mesmo em troca das aspirações dos irmãos palestinos. Os próprios palestinos também parecem não estar suficientemente preparados para esta luta, tanto mais sozinhos, pois isto ainda radicalizaria mais os movimentos dentro do território.

Deste modo, de fato, a decisão de Trump não muda nada no que se trata do balanço das forças na região. Entretanto, ele deixa o processo de paz árabe-israelense ainda mais congelado e questionado, e talvez pondo em funcionamento um relógio-bomba em perspectiva mais longa.

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