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'Cura gay': decisão do Judiciário ataca direitos e estimula violência, diz especialista

© Foto / Tânia Rêgo / Agência BrasilImagem do ato contra a LGBTfobia e pela criminalização da homofobia, realizado no Rio de Janeiro
Imagem do ato contra a LGBTfobia e pela criminalização da homofobia, realizado no Rio de Janeiro - Sputnik Brasil
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A decisão de um juiz do Distrito Federal em liberar o tratamento que poderia mudar a orientação sexual de homossexuais ataca direitos fundamentais, o Estado democrático de direito e estimula a violência que já atinge LGBTs de todo o país diariamente. E poderia ter sido facilmente evitada.

Em entrevista exclusiva à Sputnik Brasil, o Doutor em Direito Constitucional e professor na Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP), Alexandre Bahia, destacou que as chamadas "terapias de reversão sexual" não possuem base científica e afrontam diretamente leis nacionais e internacionais a respeito do assunto.

"Essa é uma decisão que desconhece toda construção sobre esse debate que tem mais de 10 anos. Há muito tempo já tínhamos superado essas discussões no Brasil, até por uma série de convenções internacionais que o Brasil participa, na OEA quanto na ONU. Ao desconhecer essa discussão, essa decisão liminar viola sim os direitos fundamentais, ela atenta contra o Estado democrático de direito", explicou.

Na última sexta-feira, o juiz federal da 14ª Vara do Distrito Federal, Waldemar Cláudio de Carvalho, concedeu uma liminar que abre uma brecha para que psicólogos ofereçam a terapia de reversão sexual, conhecida como "cura gay". Movida por um grupo de psicólogos que defende o uso de terapias de reversão sexual no país, a ação foi atendida parcialmente.

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O tratamento, no entanto, é proibido pelo Conselho Federal de Psicologia (CFP) desde 1999, e já foi alvo de embate entre os parlamentares ligados à defesa dos Direitos Humanos e a Bancada Evangélica no Congresso Nacional. Desde 1990, a homossexualidade também não é considerada uma patologia ou uma doença, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS).

Para Bahia, a decisão do Judiciário é preocupante e poderia ter sido evitada, sobretudo se o juiz tivesse consultado o CFP, ou tivesse considerado os acordos dos quais o Brasil é proponente e/ou signatário no âmbito da proteção à comunidade LGBT. O especialista concordou que tal decisão pode trazer sérios danos sociais ao país.

"É algo extremamente preocupante. O problema sempre foi por termos confiado que o Judiciário seria mais progressista do que os demais poderes, mas vem se mostrando até mais conservador. Essas decisões violam a liberdade de expressão, violam a Constituição, elas não tem sustentação dentro do Direito nacional e até pelas normas internacionais", comentou.

Da "cura gay" para violência nas ruas

Dados nacionais já colocam o país como um polo de violência contra homossexuais perante o mundo. Segundo levantamento do Grupo Gay da Bahia, o Brasil é o país que mais mata LGBTs no mundo: 1 a cada 25 horas. O professor da UFOP avaliou que tal componente também deveria ter sido considerado na decisão do magistrado.

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"Já temos um recorde de violência física. Dificilmente conseguiríamos mais do que já temos, mas essa decisão permite outra forma violência: a moral e a psicológica. Essas clínicas de tratamento, esses grupos que cometem atrocidades contra essas pessoas que se submetem por razões religiosas… Essa liminar sinaliza que tais grupos estão certos em fazer isso, e dá força para uma violência que é tão preocupante com a violência física que os LGBTs sofrem todos os dias no Brasil", disse Bahia.

Como a decisão é liminar, significa que cabe recurso. O CFP já disse que iria recorrer e tal opção pela legalização da "cura gay" pode ser reformada a qualquer momento. Na opinião do especialista ouvido pela Sputnik Brasil, isso seria bem-vindo, já que a liminar gerou reações até fora do Brasil – ele mencionou um artigo no jornal britânico The Guardian que questiona a "regressão de direitos fundamentais" que vive o país.

"O Estado brasileiro internamente poderia ter sinalizado que não aceita esse tipo de discriminação, proibida pelo Direito. Essas normas internacionais fazem parte do ordenamento jurídico. Mesmo sem lei para punir a homofobia, essas normas devem ser seguidas pelo Judiciário. Infelizmente, mais uma vez, ele [juiz] esquece de olhar a questão no âmbito maior. Parece que o juiz se dedicou às questões formais locais, desconhecendo o tamanho da discussão", concluiu.

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