Política 'racista' e 'xenófoba' de Trump esconde interesses econômicos

© AP Photo / Eduardo VerdugoImigrantes mexicanos nos EUA
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No início de setembro, a Administração de Trump anunciou o fim do programa Ação Diferida para os Chegados na Infância (DACA, sigla em inglês), uma medida migratória que visa beneficiar os jovens imigrantes sem documentes nos EUA. A Sputnik entrevistou representantes da comunidade imigrante deste país para saber como isso afetará suas vidas

A menos que o Congresso promova a reforma da imigração, a medida deixa quase 800 mil jovens em risco de serem deportados. Segundo Brenda Solkez, cofundadora da organização comunitária Força Unida de Resistência de Imigrantes em Ação (FURIA, sigla em inglês), um grupo formado por mulheres imigrantes, se trata de uma "medida anti-imigrante", mas esta não começou com Donald Trump, mas com seu antecessor, Barack Obama.

"Foi durante a administração dele que se iniciou a criminalização dos imigrantes. Embora ele tenha aprovado o DACA, isso não foi uma proteção completa", disse Brenda Solkez, imigrante mexicana que mora na Pensilvânia.

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"Há pessoas que defendem o DACA porque este lhes deu uma autorização de trabalho e seguro social, mas não era uma forma de conseguir uma moradia. Pelo contrário, foram estabelecidas prioridades de deportação e foi criada uma máquina de deportação maciça".

Os "dreamers", ou sonhadores em português, são aqueles que chegaram aos EUA de maneira ilegal sendo menores de idade. Se trata das crianças sem autorização de residir no país, mas que poderiam ingressar no sistema educativo básico no território norte-americano. Devido à ausência de documentos, quando alcançam a maioridade, esses jovens enfrentam problemas sérios na hora de ingressar na universidade, arrumar emprego, ou em coisas até mais simples, como conseguir uma carteira de motorista. 

Na entrevista com a Sputnik, María Ibarra, uma dreamer mexicana de 24 anos que há 16 anos está nos EUA, disse que o momento atual é de "muita incerteza". María atravessou a fronteira com sua mãe e três irmãos quando tinha oito anos. Sua mãe, uma mulher solteira, pensou que em seu país não havia futuro para ela e seus filhos. 

Atualmente María mora na Pensilvânia, onde estuda Política Pública e Gestão. No seu caso, pode se dar ao luxo de não ter de se preocupar a curto prazo, já que sua autorização de residência é válida até janeiro de 2019. Mas depois?

Na vida de um imigrante sem documentos essa margem de pouco mais de um ano pode parecer uma eternidade. Essas pessoas se acostumaram a sentir a respiração das forças policiais de imigração em sua nuca. Entretanto, nem todos os imigrantes estão tão folgados. E essa realidade também faz parte da angústia na vida de María. 

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"Agora estou pensando em fazer minha tarefa e no que vou ter que fazer dentro de um ano. Não tenho planos de voltar ao México. Não é um lugar para mim. Cresci aqui, é um país que me deu grandes oportunidades. Espero que não me expulsem à força. Cada dia que passa é um a menos neste país e um a mais de insegurança", compartilhou María, que dedicou sua carreira a ajudar outros que se encontram na mesma situação.

De acordo com os dados do Serviço de Cidadania e Imigração dos EUA (USCIS, sigla em inglês), 78% de titulares do DACA são do México. Há 618.342 "sonhadores" mexicanos. Depois seguem os salvadorenhos, (28.371), guatemaltecos (19.782) e hondurenhos (18.262). O estado que conta com o maior número de "sonhadores" é a Califórnia (242.339), logo depois segue o Texas (140.688). Em Nova York há 49.710 dreamers. 

Pessoas sem documentos têm cicatrizes emocionais causadas pela incerteza. "Se um dia sua mãe não atende o telefone, você está com medo porque acha que ela pode ter sido deportada ou, se seu irmão não voltou em casa, talvez ele tenha sido detido e esteja a caminho de um país que ele não conhece. Se um polícia nos para por causa de uma infração de trânsito, sua vida pode mudar para sempre", ressalta María, que toda sua vida pagou pelo seguro social do qual nunca recebeu nada, e impostos pelos quais ela nunca viu nenhuma compensação. "Este modo de vida causa traumas na mente", acrescentou ela.

Para Solkez, a política "racista" e "xenófoba" de Trump esconde interesses econômicos. "A criminalização, a deportação e a prisão em massa de imigrantes geram grandes lucros que beneficiam as empresas privadas", afirma a ativista.

"Aqui há forças policiais de imigração que estão aterrorizando nossa comunidade. Vão às escolas, perseguem as pessoas nas ruas, batem às portas visando prender ilegais", continua ela.

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Uma parte da campanha presidencial de Trump baseou-se na estigmatização dos imigrantes, vistos como criminosos que vêm para roubar o trabalho dos norte-americanos. No entanto, a história da mãe de María, como a de muitos outros imigrantes, mostra uma realidade diferente.

"Minha mãe está fazendo o trabalho que ninguém quer fazer, ela limpa as casas das pessoas ricas, que muitas vezes abusaram dela. Como ela não tem documentos, lhe pagam menos do que está previsto pela lei. Ela, como muitos outros que chegaram, sacrificou sua terra, sua casa, sua família se esforçando por dar a seus filhos uma vida melhor. Desde minha infância, minha mãe sempre teve dois ou três empregos diferentes por semana. Isso faz uma grande diferença neste país, as pessoas como ela ensinam o valor do trabalho árduo. Nossos pais são os pilares que sustentam este país", frisou ele.

Do ponto de vista de María, as pessoas que apoiam esta medida "esquecem" que o DACA são as enfermeiras que cuidam de seus idosos, aqueles que ensinam seus filhos, aqueles que asseguram que haja alimentos, são seus vizinhos e seus amigos. Ela diz que ao deportá-los, os Estados Unidos estão desperdiçando uma "grande vantagem". E ela pode ter razão. Se as questões humanitárias nem sempre parecem um argumento convincente, os números frios podem prová-lo.

Segundo as estimativas do Centro para o Progresso Americano (Center for American Progress, em inglês), o cancelamento do DACA pode causar a deportação de cerca de 685 mil trabalhadores, o que poderia significar um déficit de US$ 460,3 bilhões (R$1,421 trilhões) no Produto Interno Bruto dos EUA nos próximos 10 anos.

Por sua parte, María continuará ajudando os imigrantes mais vulneráveis a "melhorar a vida das pessoas marginalizadas", pelo menos até janeiro de 2019, quando ela terá que sair ou ficar no país que ama. "Conheci muitos anjos na minha vida que me ensinaram que, embora eu não tenha documentos, isto não define quem eu sou", concluiu.

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