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Brasil mira 'Macron brasileiro' em 2018, mas pode acabar com novo Collor ou Berlusconi

© Fábio Rodrigues Pozzebom/ Agência BrasilSenador Fernando Collor discursa no plenário do Senado Federal
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Parece não ter fim. A decadência da política brasileira se aprofunda na medida em que se aproximam as eleições de 2018. Prova disso são algumas das principais propostas discutidas pela Câmara dos Deputados para uma reforma política, a qual, segundo analistas, visa somente permitir a manutenção do poder nas mesmas mãos.

Dados divulgados em junho pela Datafolha evidenciam o que é de conhecimento comum no país: apenas 2% da população diz ter "muita confiança" nos partidos políticos brasileiros, ante uma rejeição de 69% — que se iguala à impopularidade do atual presidente da República, Michel Temer (PMDB).

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Não por acaso, o cansaço com o antigo establishment político do Brasil, somado a uma forte crise econômica que perdura há pelo menos três anos, torna o cenário perfeito a um novo "fenômeno". Assim, já não surpreende o eleitorado brasileiro a ideia de que o país pode eleger, dentro de um ano, a versão tupiniquim de Emmanuel Macron.

Ex-banqueiro e ex-ministro da Fazenda do então presidente francês François Hollande, Macron se elegeu ao se apresentar como novidade, como um candidato centrista, e com ideias novas, antes um momento de descrédito de partidos tradicionais franceses. Ele foi a resposta eleita contra a direita mais reacionária, representada por Marine Le Pen.

Mas o quão crível é a possibilidade das eleições presidenciais de 2018 no Brasil elegerem alguém de tal perfil? Segundo especialistas ouvidos pela Sputnik Brasil, a idealização em torno de um "Macron brasileiro" pode na verdade empurrar o país para os braços de um "novo Collor", ou ainda para uma encarnação nacional do italiano Silvio Berlusconi.

O ideal "macronista"

Nas eleições municipais de 2016, a plataforma criada em torno de "outsiders" (pessoas que se diziam não vinculadas à política tradicional) foi bem sucedida em pelo menos três cidades do país: em São Paulo (com o tucano João Doria Jr.); em Belo Horizonte (com o ex-presidente do Atlético-MG, Alexandre Kalil); e na cidade mineira de Betim (com o empresário Vittorio Medioli, dono de uma fortuna de R$ 350 milhões).

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Das eleições mencionadas, a ascensão de Doria é a considerada mais impressionante. O tucano de 59 anos venceu a disputa pela Prefeitura paulistana no primeiro turno, um feito inédito em pleitos locais, colocando-se como alguém que "não político", mas sim "um gestor". Ainda que a afirmação possa ser questionada, ela ganhou tração e o elegeu.

À Sputnik Brasil, o cientista político estadunidense e professor da Universidade de Brasília (UnB), David Fleischer, disse acreditar que Doria aparece hoje como aquele que poderia emular mais estreitamente aquilo que foi visto na França com Macron. Ainda segundo ele, o tucano pode ainda se beneficiar de algo que o francês não teve.

"O Macron teve de construir o seu partido (Em Marcha) do zero e lançou uma porção de novatos ao Parlamento, elegendo uma maioria absoluta. Já o Doria se lançou por um partido tradicional (PSDB). Agora o DEM quer atraí-lo, mas os três principais caciques do partido (Aécio Neves, José Serra e Geraldo Alckmin) estão 'manchados' de alguma forma. Então há espaço para ele ser o candidato tucano à Presidência em 2018", afirmou.

Porém, há quem discorde de que seja possível a eleição de um Macron tupiniquim no próximo ano. É o caso do cientista político e professor do Departamento de Relações Internacionais da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), Maurício Santoro. Para ele, a situação na França foi muito peculiar e é improvável replicar a mesma estratégia no Brasil.

"Apesar de ter criado fascínio aqui, a estratégia de Macron não poderia ser replicada no Brasil. Ela funciona em um país com classe média ampla, que se beneficia ou pode se beneficiar da globalização. Os indicadores aqui apontam para uma eleição muito polarizada, e os nomes centristas, como o de Marina Silva, não vêm muito bem. Hoje não há muito espaço para ser essa 'ponte', para esse centro político", avaliou Santoro.

"A figura do 'outsider' em outros países é associada a um discurso extremista, agressivo, contra o sistema político existente e contra tudo o que está lá. Embora se colocasse como o novo, Macron estava bem inserido no sistema partidário francês. E ele não vinha com tal retórica agressiva, mas sim com várias ideias com mais apelo junto aos jovens. Por isso deu certo lá", continuou.

O cientista político da Universidade de Campinas (Unicamp), Roberto Romano, também desmonta a tese do "Macron brasileiro" pela simples falta de nomes viáveis, sobretudo que estejam hoje fora da política tradicional do país. "Macron não era outsider. E no Brasil não temos hoje nenhum nome novo ou de fora que possa ser considerado para 2018", afirmou.

O medo do "Caçador de Marajás"

Tido como a esperança de dias melhores no Brasil, Fernando Collor de Mello foi, em 1989, o primeiro presidente eleito pelo voto direto no Brasil em mais de duas décadas. Com o slogan "Caçador de Marajás", o ex-governador de Alagoas não durou mais do que 33 meses na Presidência da República. Por corrupção, acabou renunciando durante o andamento de um impeachment que tinha contra si, e que lhe custou os direitos políticos por oito anos.

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De acordo com os analistas ouvidos pela Sputnik Brasil, a idealização pelo fenômeno Macron faz com que o Brasil não enxergue mais claramente que, hoje, a possibilidade é muito maior do sistema político do país reproduzir um "novo Collor" em 2018. O então candidato pelo nanico PRN também era um "outsider" da época, quando o Brasil vivia uma grande crise econômica e os partidos estavam desacreditados.

"É parte do problema da hegemonia de determinados partidos. Veja que o PMDB nada mais é do que um grupo de comitês municipais, porque entra e sai governo e o partido não emplaca candidato [à Presidência], mas possui uma bancada fortíssima no Congresso. O partido do Collor na época era 'de bolso', e ele atacou o PMDB quando não conseguiu satisfazê-los", relembrou Roberto Romano.

Outro cenário que pode empurrar o Brasil a um temido Collor versão 2018 é a expectativa de uma eleição fragmentada, com muitos candidatos. É o que deve ocorrer se o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) não for candidato, algo que está diretamente associado às ações que o petista – principal favorito (e alvo) nas apostas eleitorais – responde na Operação Lava Jato.

É senso comum que, se Lula for candidato à Presidência da República no próximo ano, ele será o nome a ser batido, levando a uma polarização ainda mais profunda. Já em um cenário sem Lula a chance é grande de que muitos nomes se lancem, um sinal de uma corrida presidencial aberta e sem grandes favoritos. Um novo 'poste' de Lula também seria esperado, caso o ex-presidente não esteja no páreo.

"Ele [Lula] fez isso em 2010 ao lançar a Dilma [Rousseff], mas a realidade era outra: Lula tinha 80% de aprovação, o PIB tinha alcançado 7,5%. Era outra história. Fala-se em [Fernando] Haddad [ex-prefeito de São Paulo], mas temos que aguardar. Acho que Ciro Gomes e Marina Silva não passarão dos seus números de sempre [12% e 20%, respectivamente], e o [deputado federal Jair] Bolsonaro pode atingir 15%, 20%. Se nada anormal acontecer, como uma melhora da economia, não deve fugir muito disso", opinou David Fleischer.

Tido como principal nome da esquerda, caso Lula não saia candidato, Ciro Gomes (PDT) afirmou, em entrevista ao jornal El País na semana passada, que ele seria o melhor nome quando se projeta um comparativo com Macron – e uma fuga do "erro" que foi eleger Collor. A tese do ex-governador do Ceará, porém, não possui muitos adeptos.

"É totalmente diferente. O Ciro será muito cobrado pelo seu passado, pelas muitas mudanças de partido. Além disso, ele será vendido pelos adversários pela tradição de uma política coronelista, oligárquica, que vem de uma periferia política. O Macron cresceu na estrutura do Estado francês. Não vejo o Ciro como algo novo na política brasileira", resumiu Maurício Santoro.

Lava Jato e o "Berlusconi made in Brasil"

Homem mais rico da Itália em 1994, o magnata Silvio Berlusconi apareceu como a novidade na Itália, que estava sob os escombros da Operação Mãos Limpas, que jogou a luz sobre um grande e capilarizado esquema de corrupção envolvendo empresas e políticos. Não por acaso, o juiz federal Sérgio Moro costuma comparar a Lava Jato com a Mãos Limpas, pois as semelhanças são muitas.

Assim, ao errar o "Macron brasileiro" e escapar de um novo "Caçador de Marajás", o Brasil pode cair nas mãos nada limpas de um tido "outsider", mas que poderá ser o nome da política tradicional para salvar o establishment nacional. Foi o que Berlusconi fez na Itália, com leis contrárias ao combate à corrupção. Ideias como o "distritão" na Reforma Política em andamento no Congresso brasileiro parecem demonstrar que os políticos tradicionais estão no chamado "modo sobrevivência".

Na opinião de Mauricio Santoro, Berlusconi – que representava, à época, um viés de centro-direita na Itália – reproduziu no pleito italiano algo semelhante ao que João Doria utilizou para se eleger prefeito de São Paulo: "o administrador que levará para a política os métodos do setor privado". "Ele [Berlusconi] é o grande exemplo na política contemporânea quando falamos na figura do 'outsider'", complementou.

Luiz Inácio Lula da Silva e Ciro Gomes, em foto de 28 de setembro de 1998 - Sputnik Brasil
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Entre Lula e Ciro Gomes: Quem será o candidato da esquerda em 2018?
Como se vê, as eleições presidenciais brasileiras em 2018 apresentam mais riscos do que certezas. A polarização política parece estar longe do seu fim e, assim, qualquer projeção de um governo centrista como aquele que Macron prometeu aos franceses ao se eleger soa como algo muito distante para a realidade brasileira. Não que o Brasil já não tenha tentado isso no passado.

"Tivemos uma experiência centrista quando o [ex-presidente] Getúlio [Vargas], no alto da sua sabedoria política, criou o PTB ligado às suas doutrinas getulistas, para se aproximar ao nacionalismo à esquerda, e depois o PSD para ser o partido voltado ao eleitorado de centro. Isso persistiu até o Jânio Quadros, que se elegeu pela direitista UDN, que de tão pequena não conseguiu sustentá-lo por um ano todo. O antigo PSD foi o mais próximo de um partido centrista na política brasileira", explicou Roberto Romano.

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