Turquia quer unir Rússia, EUA e Irã na Síria (EXCLUSIVA COM PREMIÊ TURCO)

© REUTERS / Umit BektasEm 27 de junho de 2016, o primeiro-ministro da Turquia, Binali Yildirim (na foto) se dirigiu à imprensa em Ancara falando, entre outras coisas, de Alparslan Celik, acusado de ter matado o piloto russo Oleg Peshkov no final de 2015
Em 27 de junho de 2016, o primeiro-ministro da Turquia, Binali Yildirim (na foto) se dirigiu à imprensa em Ancara falando, entre outras coisas, de Alparslan Celik, acusado de ter matado o piloto russo Oleg Peshkov no final de 2015 - Sputnik Brasil
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Na véspera da visita do presidente russo, Vladimir Putin, à Turquia, o primeiro-ministro turco, Binali Yildirim, concedeu uma entrevista exclusiva à Sputnik Turquia comentando as relações russo-turcas, a crise na Síria e a situação na região em geral.

Sputnik Turquia: O presidente da Rússia fará em breve uma visita à Turquia. Nas condições atuais, eventos desse nível não podem ocorrer sem a discussão da crise na Síria. O que o senhor pode nos dizer sobre a posição de EUA, Rússia e Turquia sobre o Partido de União Democrática (PYD) e os destacamentos curdos de autodefesa da YPG?

Binali Yildirim: A situação na Síria é bastante complicada. O regime de [presidente sírio Bashar] Assad oficialmente convidou a Rússia para o seu território, onde esta se instalou utilizando bases aéreas e todas suas capacidades. Os EUA, por sua vez, estão liderando uma coalizão criada para combater o Daesh na região e principalmente na Síria. Os países que estão diretamente envolvidos com os acontecimentos na região são Irã e Turquia. Eles estão se empenhando para colocar a situação sob controle e acabar com a guerra civil. No entanto, a falta de coordenação nas ações de Rússia e EUA está complicando a situação na região a cada dia. Em especial, o vácuo de vontade política que se criou por conta das próximas eleições nos EUA, infelizmente, colabora com a criação de uma situação desfavorável na região.

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Qual é o papel da Turquia nessas condições? O papel da Turquia está em unir Rússia, EUA e Irã. O processo pode contar também com a Arábia Saudita. E, dessa forma, parar o derramamento de sangue na região e impedir a morte de inocentes. Nós estamos nos empenhando para conseguir isso. Outro ponto importante tem a ver com a nossa fronteira sul e a garantia de sua segurança, como também a segurança dos nossos cidadãos e de seus bens em áreas próximas a essa fronteira. Para conseguir tudo isso, nós começamos a operação Escudo do Eufrates, que continua até agora. O nosso objetivo é levar para mais longe possível da nossa fronteira os elementos terroristas que atuam nessa área, garantindo o nível necessário de segurança. Nesse ponto, eu gostaria de destacar um detalhe importante: nós consideramos PYD e YPG estruturas terroristas e ramificações do PKK atuando fora do território turco. No entanto, os EUA estão colaborando com eles no combate ao Daesh. Nós consideramos essa situação inaceitável. Avisamos os americanos em várias ocasiões que não é possível eliminar uma organização terrorista utilizando outra. Isso não pode ser considerado combate ao terrorismo. Eu estou convencido de que a Rússia tem uma grande responsabilidade, porque é um importante fator de solução do problema sírio. Já chegou a hora de Moscou utilizar sua influência sobre (Bashar) Assad. Eu acho que a Rússia deveria tomar uma atitude mais ativa antes que morram mais pessoas inocentes e mais pessoas fiquem sem ter onde morar. Nesse aspecto, a Turquia é um país que sofre mais do que os outros com essa guerra civil, e está pagando um preço muito alto. Estamos falando de cerca de três milhões de refugiados, que consideramos, claro, nossos irmãos. Nós abrimos as portas das nossas casas e os acolhemos em nosso território. Mas está muito claro que essa situação não pode satisfazer nem a eles por muito mais tempo. Eles querem o fim mais rápido possível dessa guerra e voltar para casa. E, nesse sentido, o tempo está acabando. Ou melhor, seria mais certo dizer que não temos mais tempo, porque perdemos bastante. Precisamos chegar a um acordo o mais rápido possível, achar uma saída para a crise, deixando para trás a rivalidade entre EUA e Rússia na região, priorizando a vida e o futuro das pessoas. Estamos fazendo um apelo a todas as partes interessadas para que desistam dessa demonstração de força e se sentem à mesa de negociações e achem uma solução para esse problema, poupando os inocentes de mais sofrimento.

ST: Os EUA têm discutido seriamente a possibilidade de armar a oposição que está lutando contra o regime sírio. Da mesma forma como aconteceu tempos atrás no Afeganistão. Como isso tudo pode influenciar a situação na Síria?

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BY: O que acontece agora é uma guerra civil. Cada um luta pela sua independência. Por isso, tudo é possível. Todas as partes se acusam. Isso poderia ser evitado se tivessem feito do jeito certo. Quando a gente se comunica com representantes da oposição, eles dizem: "Nós estamos protegendo o nosso país de um regime ditatorial, das pressões de Assad. Estamos tentando salvar nosso povo. Como podemos reagir às ações do regime que está tentando nos expulsar dos nossos territórios e que está jogando bombas na gente? Estamos levando nossa luta". É claro que, nas condições de uma guerra civil, é esperado que as partes fiquem se acusando. Mas quem sofre com isso é a população. As pessoas que vivem nos EUA ou na Rússia não podem entender nem sentir esse sofrimento. Mas nós entendemos, porque somos uma continuação dessa região. Ou melhor, eles são uma continuação do nosso território. Por conseguinte, entendemos melhor essa dor. E estamos fazendo tudo para achar uma solução para esse problema.

ST: A Rússia e a Turquia já tiveram divergências quanto ao problema sírio. No decorrer das negociações recentes, a gente vê que o diálogo continua. Como o senhor pode avaliar a fase atual desse processo?

BY: Você tem razão, as nossas posições se aproximaram. Por exemplo, a Rússia considera nossas ações no âmbito da operação Escudo do Eufrates razoáveis e justas. Ou seja, podemos dizer que, como parte da normalização das relações depois da crise do avião, a nossa posição sobre uma série de problemas regionais se aproximou bastante. 

ST: Aleppo? O maior problema agora é Aleppo…

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BY: Em Aleppo, dezenas de milhares de inocentes são obrigados a lutar pela própria vida. Eles não estão recebendo alimentos, não podem suprir necessidades básicas, não podem respirar com calma por causa dos bombardeios incessantes. Está acontecendo uma catástrofe humanitária em Aleppo. É um grande drama. Nenhum país envolvido nisso poderá, ao longo da história, escapar da responsabilidade por esse drama. Por isso, é necessário um cessar-fogo imediato e garantir aos moradores acesso a bens de primeira necessidade. O grito de socorro dos moradores de Aleppo deve ser ouvido. Estamos prontos para isso. Dentro das nossas possibilidades, estamos mandando ajuda humanitária para lá. E achamos que, nessa questão, a Síria de Assad e a Rússia têm uma grande responsabilidade

ST: O presidente Putin, nessa visita à Turquia, irá participar do Congresso Mundial de Energia. Durante as negociações, esperamos que essas questões sejam abordadas também. O senhor acredita que depois desse encontro haverá uma solução para a crise de Aleppo?

BY: Com certeza, não há outro caminho além do diálogo. Qual problema do mundo que já foi resolvido por armas, assassinatos ou bombardeio? Isso só piora a situação, leva a uma crise maior e um conflito mais profundo. O senhor Putin visitará a Turquia para participar do congresso, mas terá um encontro bilateral com nosso presidente, que tratará também de problemas regionais, como o conflito na Síria e a situação em Aleppo. 

ST: A visita do presidente Putin à Turquia significa que a tensão decorrente do incidente com o avião (Su-24 russo derrubado pela aviação turca na Síria) está totalmente superada?

BY: Ainda é cedo para dizer que está totalmente superada, mas estamos vendo uma dinâmica positiva. O nosso presidente, em 9 de agosto, visitou São Petersburgo. E agora, passados dois meses, está vindo aqui o senhor Putin. Teremos em breve um encontro com o senhor (Dmitry) Medvedev. Isso já foi combinado em conversa telefônica. Estamos dando passos para desenvolver as relações com a Rússia. É um processo demorado e não dá para resolver tudo em um dia só. Mas está indo mais rápido do que a gente imaginava. 

ST: Já sabe a data (Medvedev)?

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BY: Num futuro próximo. Estamos vendo detalhes técnicos. O que estará na pauta serão as relações bilaterais. Vamos focar em temas como investimentos mútuos, cooperação em comércio, energia, transportes e agricultura. 

ST: O (gasoduto) Corrente Turca é um dos projetos mais importantes entre os dois países…

BY: Temos vários projetos importantes. Entre eles estão o da usina nuclear de Akkuyu e o Corrente Turca

ST: A Europa teve reclamações quanto ao projeto do Corrente Turca. Vocês conseguiram explicar para os europeus a importância desse projeto? A Turquia considera ele importante?

BY: A importância do Corrente Turca é a seguinte: ele está direcionado para garantir a segurança energética na região e ajudar os países vizinhos à nossa região. 

ST: Os europeus entenderam isso?

BY: Não há questão para os europeus se preocuparem. Esse projeto trará benefícios para os europeus. 

ST: No ano passado, a Turquia enfrentou vários problemas na área de turismo. O que o senhor pode dizer sobre o ano que vem?

BY: Com relação à Rússia, as metas para o ano que vem são mais otimistas. Também na região do Oriente Médio temos visto uma dinâmica positiva. O ano de 2017 certamente será melhor do que 2016. Estamos vendo isso. Se não acontecer nada na região, acreditamos que a situação será muito melhor. 

ST: Com relação a política externa, seria errado não tocar na questão de Mossul. O embaixador já fez uma declaração, na qual disse que "se a Turquia não encarar seriamente as nossas exigências, agiremos de forma diferente"…

BY: E o que eles vão fazer?

ST: Não podemos saber isso. Como está indo o processo? Se trata de uma solução para a crise?

BY: O que está acontecendo lá não é assunto nosso. Isso está acontecendo sem a nossa participação. Bagdá, Estados Unidos e tribos locais estão planejando uma operação para libertar Mossul do Daesh. Eles podem fazer essa operação, a gente não tem objeções. A única coisa que exigimos é que ninguém se meta com a estrutura confessional. Para que xiitas e sunitas fiquem nos lugares onde eles estavam antes do Daesh. Estamos falando para que o objetivo dessa operação não se transforme em garantia de supremacia de uma corrente religiosa. Qual o prejuízo que isso poderia causar? Isso poderia provocar atritos entre as confissões. E aí, tentando resolver um problema, você acaba ganhando um problema maior. O governo do Iraque sabia da nossa presença lá, os ministros deles visitam os campos de vez em quando. Eles também falavam do bem que o trabalho contra o terrorismo trazia para o país. Até mesmo a administração do Iraque do Norte fez uma declaração há alguns dias e contou tudo que aconteceu. E precisamos entender o que aconteceu para eles terem engrossado o tom. Deve ter uma razão e uma explicação para isso.

ST: O senhor acredita que outro Estado esteja envolvido?

BY: Sabemos disso, sim. E vamos anunciar na hora certa. E tem mais. Podemos dizer assim para o governo do Iraque: "Que o seu país, que foi lugar de presença da organização terrorista PKK, que por mais de 30 anos torturou e ameaçou a integridade da Turquia, assuma uma posição igualmente dura com relação a essa organização". Quando a gente começa a falar assim, eles se calam. Estamos ajudando pessoas nessa região na luta contra o Daesh, estamos ensinando. E eles (governo iraquiano) são contra isso. É um absurdo completo, jamais concordaremos. 

ST: Com relação à situação de Gulen, há um problema sério que a Turquia enfrentou em 15 de julho, e operações relacionadas a isso continuam até hoje. A Turquia já avisou vários países dizendo que eles podem enfrentar algo semelhante (ameaça de golpe de Estado). Essa é uma das razões da tensão entre Turquia e EUA. Houve problemas com a Rússia nesse sentido?

BY: Não, não tivemos problemas sérios. Com relação à luta contra o movimento de (Fethullah) Gulen, a Rússia tem tido uma abordagem razoável, como também a Alemanha. Aliás, os EUA também mudaram sua atitude e não estão se comportando como antes. Parece que eles entenderam que o problema é muito mais profundo do que parece e que os objetivos e as aspirações desse grupo terrorista são mais globais.

ST: Houve algum progresso com relação à extradição?

BY: Criamos uma estrutura legal, fizemos os respectivos pedidos, enviamos os documentos. Estamos pedindo oficialmente a extradição. Estamos aguardando agora o resultado. 

ST: A última pergunta é com relação à sua declaração depois dos acontecimentos de 15 de julho. Você falou sobre um diálogo que teve com seu neto depois da tentativa de golpe de Estado pela organização de Gulen. Ele já entendeu o que aconteceu àquela altura?

BY: Na verdade, a ferida ainda não cicatrizou. A criança não consegue dormir à noite. Ele dorme em períodos curtos, agitado. O tratamento dele continua. O meu neto é apenas um exemplo, mas existem milhões de pessoas como ele. Infelizmente, não dá para entender o que aconteceu apenas com o uso da razão. Qual é a diferença entre o que esses covardes fizeram e o que Assad está fazendo? Ele também está jogando bombas em cima do próprio povo, mas o povo turco não está na mesma posição em que as pessoas estão na Síria. O povo turco deu uma lição nos covardes, se mostrando disposto a fazer sacrifícios. Ele demonstrou sua valentia, ele fez o que melhor nos caracteriza. Nós fomos mais uma vez testemunhas da valentia e da força de vontade do povo turco. 

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