Ex-professor da matemática saudita fala como combateu na Frente al-Nusra

© AP Photo / Al-Nusra Front Twitter pageMilitante da Frente al-Nusra com a bandeira do grupo na província de Idlib, Síria
Militante da Frente al-Nusra com a bandeira do grupo na província de Idlib, Síria - Sputnik Brasil
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As tropas do governo sírio continuam a libertar assentamentos perto das principais cidades do país. Durante um assalto perto de Damasco, eles conseguiram capturar um cidadão saudita, Hamud Saleh Hamid, um dos membros seniores da Frente al-Nusra, conhecido como Abu Azzam.

Um correspondente da Sputnik tornou-se o primeiro repórter autorizado pelos serviços de inteligência sírios para se encontrar com Azzam, agora preso. Ele perdeu ambas as pernas durante a guerra.

Campo de treinamento ao invés da escola

"Eu fiz a licenciatura na Universidade de Meca e ensinava matemática na terra natal. No início dos distúrbios na Síria, o povo veio para as ruas e, em seguida, isto evoluiu para a violência. Em seguida, os líderes religiosos e pessoas de autoridade começaram a chamar as pessoas, em sermões e na TV, para irem à Síria; começaram a surgir vídeos na Internet e eu decidi ir para lá [para participar] da jihad", disse Azzam, de 37 anos de idade, demonstrando desinteresse e desprezo pela entrevista.

Azzam disse que deixou uma esposa, quatro filhas e um filho na Arábia Saudita. 

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Ele chegou à cidade turca de Antakya com seu amigo sírio, e de lá eles foram transportados para um campo de treinamento na província de Idlib.

Depois de um mês de treinamento, Azzam e seis outras pessoas dos países do Golfo foram enviados para a província síria de Deir ez-Zor, no nordeste.

Primeiras batalhas 

Azzam disse que, durante as duas primeiras semanas após a chegada, ele não participou em qualquer combate, sendo responsável pelo recrutamento de residentes locais para lutar contra o exército sírio.

Era ele também que estabelecia a ligação entre as unidades. 

“Combati com um fuzil de assalto Kalashnikov. Testemunhámos um combate terrível em que participámos por cerca de um mês. Eu era agente de comunicação entre as unidades", disse ele.

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No final de 2012, uma parte da cidade passou a ser controlada por terroristas. Depois de vários meses de cerco e combates, as tropas do governo conseguiram libertar a cidade. Hoje a situação é oposta, com dezenas de milhares de civis totalmente cercados pelo Daesh.

Depois disso, o autoproclamado emir Abu Maria propôs a Azzam se mudar para o subúrbio de Damasco Jobar, onde o terrorista planejava uma nova ofensiva contra a capital síria. Lá os terroristas foram ensinados a usar morteiros.

"Aprendemos como utilizar morteiros, durante a nossa primeira operação tínhamos de cobrir uma operação ofensiva. Ninguém sabia os detalhes da operação. Só quando o combate chegou ao fim soubemos que a operação falhara", disse Azzam.

Ataques contra áreas residenciais usando o Google

Os terroristas planejavam enviar sete carros carregados com explosivos para a cidade. Após as explosões, as tropas tiveram de começar a lutar. Os que tinham morteiros receberam as coordenadas de alvos-chave no centro de Damasco. O exército sírio conseguiu evitar o ataque e matou muitos terroristas.

"[O emir] Abu Baker reuniu-se com os comandantes de campo e definiu os alvos usando o Google Maps — eram, principalmente, alvos em áreas residenciais de Damasco — como o Estádio de Abbasiyyin e o Museu Panaroma de Guerra de Tishreen. Tínhamos apenas quatro morteiros. Durante o nosso trabalho um morteiro explodiu ferindo cinco militantes — dois sírios, dois jordanianos e um egípcio. O emir exigiu que continuássemos o bombardeio, mais tarde outro morteiro explodiu, depois o terceiro, por isso, parámos de combater e ficamos à espera do desfecho do combate", disse Azzam.

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Várias semanas depois, foi proposto a Azzam tornar-se vice-comandante da unidade. Ele treinou novos grupos de combatentes com morteiros — sete cidadãos sauditas, cerca de 20 jordanianos e militantes da Turquia e Kosovo.

A unidade de Azzam foi transferida para a aldeia de Al-Otaiba perto do aeroporto de Damasco.

"Naquele tempo eu me casei. Eu apenas disse a um dos meus camaradas na Frente al-Nusra que eu queria casar-me. Ele apresentou-me a sua sobrinha e casamo-nos. Depois o exército lançou uma ofensiva de novo, e minha esposa e eu fomos a Huteita. No dia em que eu decidi ir-me embora de lá, eu mandei a minha mulher para seus pais em Marj al-Sultan e voltei com irmão dela para levar os pertences. No caminho de volta um míssil nos atingiu", disse ele.

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Azzam perdeu ambas as pernas. O tratamento levou sete meses. Todo esse período ele morava com sua esposa com os $ 4.000 que ele tinha trazido da Arábia Saudita. O grupo jihadista pagou-lhe cerca de US $40 e deu pacotes de alimentos.

Após a reabilitação, Azzam combateu novamente. Um dia, os terroristas capturaram um homem de 50 anos de idade, que supostamente fornecera informações sobre as posições dos terroristas às tropas do governo. Foi ordenado a Azzam que eliminasse o homem.

"Eu perguntei ao comandante se o homem era realmente culpado, depois eu o executei disparando quatro vezes. Um tiro foi suficiente, mas os comandantes me ordenaram para atirar mais…", disse ele.

Desilusão

"Eu comecei a ficar decepcionado quando estava na reabilitação. As pessoas começaram a exigir o retorno das tropas [do governo] ao assentamento por causa da fome e pobres condições de vida. Comecei a pensar em como voltar para a terra natal o mais cedo possível", disse ele.

Azzam acrescentou que ele também estava decepcionado com o fato de a Frente al-Nusra, o Daesh e o Exército Sírio Livre terem começado a lutar uns contra os outros.

"A guerra na Síria está longe de ser uma guerra pela liberdade do povo, é uma guerra de poder e de interesses financeiros, levada a cabo por vários grupos, que se abrigam por atrás dos lemas religiosos muçulmanos", disse ele.

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