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Mino Carta: ‘Mídia hoje no Brasil está a serviço da oposição e de grupos econômicos’

ENTREVISTA COM MINO CARTA
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Um dos mais respeitados nomes da imprensa brasileira, Mino Carta, atual diretor de redação da revista semanal “Carta Capital”, diz que a mídia brasileira está restrita hoje a um pensamento único, pautado por interesses políticos e de grandes grupos econômicos. “A mídia representa hoje o verdadeiro partido de oposição no Brasil.”

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Criador de alguns dos títulos mais importantes da imprensa no país – “Quatro Rodas”, “Jornal da Tarde”, “Veja”, “IstoÉ” –, Mino Carta analisa os grandes desafios da mídia no Brasil e no exterior, como independência editorial, liberdade de imprensa, ética  informativa, guerra de informações entre governos, pressão da publicidade, massificação das plataformas digitais e riscos da informação instantânea. Veja a seguir os principais pontos da entrevista concedida com exclusividade à Sputnik Brasil.

Sputnik: Quais são os graus de liberdade de imprensa e responsabilidade da mídia no Brasil? Em especial, qual tem sido o papel das revistas semanais de informação e análise, neste contexto?

Mino Carta: Ao se analisar esta questão, é preciso levar em conta a peculiaridade da mídia brasileira nas suas manifestações porque ela na verdade hoje representa o verdadeiro partido de oposição no Brasil. Naturalmente, há exceções, como, por exemplo, a “Carta Capital”, que tenta simplesmente praticar um jornalismo honesto. E há algumas outras manifestações isoladas de, em última análise, heróis do jornalismo. Mas a mídia, aquilo que eles entendem ser a grande mídia, essa está toda a serviço de algo no Brasil – um país que ao cabo de três séculos e meio de escravidão, aos quais vale acrescentar mais um longo período em que as coisas basicamente não mudaram, um país onde a casa grande e a senzala continuam de pé e a mídia é um instrumento a serviço da casa grande, ou seja, a casa dos senhores, a casa dos donos da terra, a casa de quem efetivamente manda e é a responsável por um país que até hoje não passa de um exportador de commodities.

S: Sob esse aspecto, haveria diferenças da chamada grande imprensa dos títulos brasileiros em relação aos da América Latina, porque nós vemos um quadro pouco semelhante ou não na América Latina?

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MC: Eu acho que a semelhança é menor do que parece, porque, por exemplo, levo em conta a mídia argentina, a uruguaia, sempre por exemplo, são mídias mais matizadas em suas manifestações, encontramos representadas diferentes tendências. Aqui não, temos uma mídia do pensamento único. Ela, desse ponto de vista, é realmente exemplar, e eu nem quero me permitir comparações com a mídia de países que consideramos civilizados e democráticos. A diferença é brutal, abissal, em relação à mídia europeia ou mesmo à mídia americana, que representam as mais diversas tendências. Claro que há também uma mídia fortemente conservadora em todos os cantos, mas, assim como há essa mídia conservadora, há também uma mídia orientada no sentido do progresso, da transformação, da mudança, do combate à desigualdade. Aqui não, aqui a mídia brasileira está toda reunida em torno de um pensamento único, que é manter o status quo, que é medieval até hoje.

S: Nos Estados Unidos a mídia se autointitula democrata ou republicana, e no Brasil não, no Brasil há um aspecto em que todos são imparciais e não têm tendência.

MC: Eles são imparciais, são isentos, como alegam, mas é só ver o que está acontecendo nesse momento que é altamente representativo do pensamento que orienta a mídia brasileira.

S: O senhor considera que a imprensa vive nos últimos tempos uma era de denuncismo exacerbado, ou não?

MC: Sem dúvida. Porque o projeto é tirar o PT, o partido fundado por Lula, o partido que está no poder com Dilma Rousseff. É tirar esse partido do páreo político, tirá-lo completamente da arena, eliminá-lo de vez, golpeando tanto o Governo de Dilma Rousseff quanto a possibilidade de que Lula venha a ser candidato em 2018. Para eliminar essa possibilidade, a mídia se volta completamente para esse denuncismo obsessivo, cansativo, tedioso, de alguma maneira, embora gravíssimo na sua manifestação.

S: O senhor concorda que o mundo vive hoje uma guerra crescente de informação por parte dos governos, com trocas mútuas de acusações sobre o uso da mídia como fator de propaganda ideológica? Ou não, o senhor acha que são casos esporádicos?

MC: Eu, não. Eu insisto nesse ponto. Eu estive fora do Brasil algumas vezes, fiz estágios em vários órgãos midiáticos e trabalhei no exterior. Posso dizer que a mídia brasileira é absolutamente única de certos pontos de vista, nesse seu afã de praticar um jornalismo estritamente político, destinado a certos resultados, para favorecer uma facção, um grupo que no Brasil evidentemente é o do privilégio. Eu acho que isso é único. Que a mídia possa ser usada de várias maneiras, e não as mais corretas, em outros cantos, eu admito tranquilamente, mas no Brasil ela representa um fenômeno único no mundo.

S: Fiz essa pergunta porque, na verdade, até alguns órgãos americanos, como a Freedom House, chegaram a defender publicamente, por exemplo, o fechamento da TV Russia Today e das emissoras da Rádio Sputnik no mundo, sob a justificativa de que elas são canais de propaganda do Governo russo.

MC: [Risos] Isso são delírios em grande parte americanos, mas eu não me surpreenderia se delírios desse tipo fossem endossados por jornalistas brasileiros. Aqui o descontrole é total. É o descontrole aliado a uma aliança crassa. O jornalismo brasileiro sempre serviu ao poder, sempre. Mas já teve mais qualidade. Havia nos jornais brasileiros jornalistas que conheciam a língua, que a praticavam com desembaraço, sabiam escrever, em última análise. Hoje a mídia brasileira dá pena. Se compararmos os jornais brasileiros com os jornais mais qualificados do mundo, verificaremos tranquilamente a existência de um abismo.

S: Eu gostaria de abordar uma questão ética: qual é a participação, hoje, do Governo na publicidade, da centimetragem na chamada grande imprensa, e se haveria uma contradição ética por parte desses títulos que recebem propaganda institucional e têm posturas extremamente críticas ao Governo?

MC: Nós, de Carta Capital, fomos acusados nos últimos 12 anos, desde a eleição de Lula para a Presidência da República, de servir ao PT. Somos, na definição dos concorrentes, digamos assim, não nos arvoramos a concorrentes de ninguém, mas enfim... somos acusados de ser lulopetistas, que é a definição que eles usam para acusar gravemente de pecados mortais quem não pensa como eles. Pode verificar a publicidade governista que nós temos. Não temos. Nesse momento, aliás, a publicidade governista está sendo dosada rigorosamente para todo mundo. Em nome de contenção de verbas e também em nome, talvez, de algum revide aos ataques midiáticos, está sendo dosada severamente. Nós não escapamos a essa dosagem. Durante o Governo Fernando Henrique Cardoso nós não tínhamos publicidade governista. Essa é que é a realidade dos fatos, e se o tucanato voltar ao poder nós sofreremos muito, deste ponto de vista. Sobrevivemos até hoje com grande dificuldade, como você pode imaginar.

S: Quais são hoje os principais desafios da “Carta Capital” e de órgãos que tentem manter essa chamada independência editorial?

MC: A questão, no fundo, acaba sempre sendo ideológica. Hoje as definições de antanho são mais difíceis, há até quem diga que a ideologia acabou, como se fosse possível terem eliminado as ideias da face da Terra. As ideias significam ideologia, e, portanto, há sempre uma ideologia em jogo. Acho que um divisor de águas está na visão que se tem da vida e do mundo, na concepção da vida e do mundo. “Carta Capital” certamente está do lado de quem combate contra a desigualdade. E o Brasil é o campeão da desigualdade. É muito fácil ser, como dizem eles, de esquerda num país como o Brasil, porque a desigualdade aqui campeia solta. Ela é uma característica clara, evidente, profundíssima, e até hoje imbatível do Brasil, desse Brasil da casa grande e da senzala.

S: Essa globalização dos últimos anos e em especial essa massificação das plataformas digitais representam que grau de risco para a mídia impressa?

MC: Um risco muito grande. Um risco que já está aí presente. É iminente o fim do “Independent”, um importante jornal inglês de opinião, um jornal orientado para o progressismo, e está acabando. Então a ameaça existe, é concreta. É como disse o recém-falecido Umberto Eco, a certa altura, a respeito dessa digitalização que a globalização promove, que antes alguns podiam falar e tinham autoridade para tanto, e hoje todo mundo diz a sua, dá o seu palpite, isso é uma tragédia.

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