Presidente da Sérvia: situação na Síria é uma colisão entre concepções

© Sputnik / Ilia Pitalev / Acessar o banco de imagensTomislav Nikolic
Tomislav Nikolic - Sputnik Brasil
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O presidente da Sérvia Tomislav Nikolic concedeu uma entrevista exclusiva à chefe da Sputnik Sérvia, Ljubinka Milincic. Confira a íntegra da entrevista.

Sputnik: No filme documentário Miroporyadok (Ordem Mundial) o presidente russo Vladimir Putin disse que a Europa entregou parte da sua soberania ao líder da OTAN, os EUA. Da minha parte, vou adicionar que este “líder” é uma das razões da instabilidade no mundo que muitos chamam de Terceira Guerra Mundial. O que o senhor pensa disso?

Tomislav Nikolic: O presidente Putin é o presidente de um grande país. E este país atualmente tem um objetivo difícil – mostrar a todo o mundo as razões da crise atual e mostrar quem se comporta corretamente e tenta evitar as consequências imprevisíveis que poderão acontecer. De outro lado, para Putin é mais fácil divulgar e compartilhar a sua opinião porque ele representa um Estado poderoso. Nós, representando um país pequeno não temos o direito de realizar discursos deste tipo. Como se costuma dizer, quando os elefantes brigam é a erva que sofre, quer dizer quando as superpotências estão em conflito, os Estados pequenos são os que mais sofrem. Posso ter a minha opinião sobre a questão que referiu, mas a Sérvia nunca expressou oficialmente a sua posição com uma resolução ou uma declaração. Qualquer opinião que expresse a você  pode ser pessoal e entendida como um sinal da minha amizade para com o presidente Putin ou, algo que ultimamente estou sendo acusado todo o tempo, como um sinal de que estou cada vez mais sob a influência da América.

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Eu defini a minha opinião, pelo menos sobre a queda do bombardeiro russo. É completamente claro para mim o que aconteceu, mas me parece que não há motivo para analisar por que isso aconteceu e o que se seguirá. 

A Turquia simplesmente atacou o avião, fez algo que os aviões turcos fazem todo o tempo, disso há provas irrefutáveis. Ora, quando os sírios derrubaram um avião turco, os turcos disseram que precisavam avisar primeiro e não disparar imediatamente.

S.: O avião russo não violou o espaço aéreo da Turquia…

T.N.: A Turquia violou em um só dia 40 vezes o espaço aéreo da Grécia, mas Atenas não derrubou nenhum avião turco. Cada queda de avião tem consequências sérias. A Turquia deveria saber isso e me parece que sabia. Como podemos agora remediar isso?

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S.: A Rússia opina que isso foi uma aberta provocação, à qual não cedeu.

T.N.: Acho que a OTAN também não cedeu. Isso foi uma tentativa de envolver duas poderosas forças em um grande conflito militar em torno da Síria. O que acontece no país é um conflito de concepções. Nada semelhante aconteceu nem no Iraque, nem na Líbia. Pela primeira vez a luta começou na Síria e esta pode mudar a cena política mundial, se pelo menos os sírios conseguirem liberar o país daqueles que atacam outros com armas, e depois escolherem o Governo em eleições livres. Esta é a minha posição principal. Acho que esta é a posição americana também. O problema está nas atitudes diferentes em relação a Assad. 

Mas o cenário que eu mencionei antes poderia se tornar a vitória dos princípios, para  nunca mais aviões estrangeiras e mísseis leverem presidentes ao poder. E se a Síria não lidar com estes desafios, jamais nenhum país no mundo terá o direito de tomar a decisão de se proteger.

S.: Nas negociações da Sérvia com a UE foram concluídos 34 capítulos "normais", iguais  para todos os países que desejam aderir à união e mais um “especial”, que tem a ver com a normalização das relações com o Kosovo, artigo esse que é como uma espada de Dâmocles sobre as nossas cabeças.

T.N.: Na União Europeia acontece algo que nós devemos usar durante as negociações. Quero dizer, a existência de decisões muito diferentes de certos Estados, dos seus dirigentes ou cidadãos durante os referendos – e isso sobre questões que deveriam ser reguladas absolutamente de mesmo modo em todos os países-membros da UE.

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Começou isso desde 2008, quando cinco países não aderiram à posição única da UE e não reconheceram Kosovo. E não foram tomadas quaisquer medidas. Ninguém disse: saiam da UE porque não estão seguindo a política única.

Depois, a crise migratória – e nesta situação os países europeus se comportaram  de forma diferente. Uns, por exemplo, a Alemanha e os países que estão localizados na rota dos migrantes, abriram as fronteiras completamente. Outros categoricamente não querem aceitar povos do continente cuja crise, entre outras coisas, foi provocada pelos grandes jogadores europeus.

E enfim, uns dias atrás o povo da Eslovênia se pronunciou em referendo contra a lei dos casamentos gay. Então será que serão introduzidas sanções contra a Eslovênia? Será que Liubliana será excluída da UE até que o problema seja resolvido?

Então eu penso que, quando discutimos o capítulo 35 sobre a  normalização das relações com Kosovo, temos a possibilidade de agir de forma diferente da maioria de membros da UE [não reconhecer Kosovo].

S.: Que lugar na União Europeia, dividida por arame farpado e que separa “países de primeira” e “países de segunda”, poderá ocupar a Sérvia?

T.N.: Não sei até que ponto a Europa e a Rússia manterão as suas posições, que consistem em considerar aceitável que nós continuemos amigos de ambas. A nossa participação na UE é necessária e explica-se pela nossa posição geográfica. Nós estamos cercados por países da União Europeia e, por isso, é completamente absurdo continuar fora da organização, especialmente tendo em conta que não estamos fisicamente ligados com qualquer outro país.

A nossa nação tradicionalmente está orientada para a Europa Ocidental. As nossas relações com ela têm mais de uma centena de anos. Ao mesmo tempo, os nossos laços amistosos com a Rússia são muito mais velhos do que com a Europa Ocidental. E eu nunca entenderei se um de meus amigos chegar e me disser: "Se você quer que eu seja seu amigo, deve tornar outro seu inimigo."

Aqui na Sérvia isso não acontecerá. O meu amigo não pode escolher os meus amigos. Eu vou escolher os meus amigos e inimigos por mim próprio. Eu acho que devemos manter tais relações. E eu acho que a posição da Rússia é inteiramente correta, porque no último ano nós foram forçados a pedir constantemente a ajuda da diplomacia russa para que ela nos protegesse de algumas das medidas propostas contra nós pela organização à qual gostaríamos de aderir. 

S.: E isso não parece esquizofrenia? Nós queremos pertencer à Europa e a Rússia proteje-nos da Europa?

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T.N.: Não, não é esquizofrenia, é o estado natural das coisas. É um estado natural das coisas de um país que não quer pertencer a ninguém. Se vermos a história após a Segunda Guerra Mundial, a história de Iugoslávia, na época foi realizada essa política. A Rússia foi e continua sendo um grande mercado para nós. E seria bom se nós pudessemos usá-lo, se tivessemos produção em massa. Mas nós não temos nem mercadorias para um mercado, quanto mais para o russo. É por isso que alguém poderá pensar que não precisamos da Rússia, visto que não temos grande intercâmbio comercial  com ela. E o que poderíamos agora oferecer à Rússia, além de 10 mil carros livres de impostos [Fiat, montados na Sérvia]? Ou será que temos algo que propusemos à Rússia e ela não comprou?

S.: E o que podemos nós exportar para a Rússia, porque razão não fazemos isso?

T.N.: Eu acho que o volume de consumo de Moscou e da região de Moscou no mês passado é igual ao volume da nossa produção industrial durante um ano. O nosso problema é que nós fechamos fábricas que eram marcas conhecidas na Rússia, das quais as pessoas que atualmente estão governando a Rússia ainda se lembram. Nós sempre tínhamos vantagens no mercado russo e, tendo em conta a crise na Europa, eu pensei que haveria muitas empresas que gostariam de investir na Sérvia para que depois essas mercadorias fossem exportadas ao mercado russo. Mas no volume em que eu esperava tudo isso não foi implementado. Vamos agora ver o que o nosso ministério da economia poderá fazer, quais contatos ele tem.

S.: E o Montenegro para nós é um exemplo de como “é preciso nos comportarmos” se ficarmos na via para a integração euroatlântica?[a questão tem a ver com a introdução das sanções contra a Rússia]

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T.N.: Montenegro é um exemplo de que um país não deve ser um brinquedo e que as pessoas que o dirigem não devem entender assim o seu país. Montenegro escolheu a via de participação na UE e na OTAN, mas, ao mesmo tempo, a via de conflitos abertos com aqueles países com os quais estas organizações estão atualmente em conflito. Significa isto que é uma participação sem identidade nacional nem independência. A Sérvia, ao contrário de Montenegro, sempre mostra que tem os seus interesses, os seus direitos, uma velha amizade. A Rússia não pode nos dizer: pronto, a partir deste momento vocês são inimigos da UE. Mas a UE também não pode nos mandar considerar a Rússia como nosso inimigo. Montenegro se apresenta como um país que está pronto para fazer tudo o que lhe seja ordenado para entrar na OTAN.

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