A volta do relacionamento Havana-Washington é uma vitória da Revolução Cubana

ENTREVISTA COM RICARDO QUIROGA VINHAS 2 DE 02-12-15
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Empresários, advogados e economistas de Cuba e dos Estados Unidos reuniram-se esta semana em Nova York para discutir quais tipos de investimentos as empresas sediadas nos Estados Unidos poderão realizar em Cuba. O especialista Ricardo Quiroga Vinhas comenta para a Sputnik Brasil.

Para muitos analistas políticos e econômicos, trata-se do passo seguinte ao restabelecimento das relações diplomáticas entre os dois países, ação consolidada este ano e anunciada em dezembro de 2014 pelos Presidentes Barack Obama e Raúl Castro.

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Sobre o que poderá resultar de prático destes encontros, Sputnik Brasil ouviu o advogado Ricardo Quiroga Vinhas, conselheiro da Associação Cultural José Martí, no Rio de Janeiro, e membro do Comitê Carioca de Solidariedade a Cuba. Na entrevista, Quiroga Vinhas apontou as principais carências econômicas de Cuba e quais devem ser os investimentos prioritários dos Estados Unidos no país, falou das intensas negociações políticas que deverão ocorrer nos próximos anos no Congresso dos Estados Unidos para o levantamento completo do bloqueio econômico imposto a Cuba, e citou a vigência de duas leis que ainda dificultam o relacionamento entre os dois países – a Lei Torricelli e a Lei Helms-Burton, que ainda impedem o relacionamento das empresas norte-americanas com o mercado cubano, ainda que por meio de suas filiais estabelecidas em outros países.

A Lei Torricelli, de 1992, estabelece, entre outras coisas, que navios que aportem em Cuba fiquem por seis meses impedidos de aportar nos EUA. Isto gera um problema de transporte de materiais para Cuba: ou faz com que ninguém transporte ou faz com que cobrem o frete mais caro para compensar as perdas por não estarem depois aportando nos EUA.

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Já a Lei Helms-Burton, de 1996, estabelece sanções a empresas que negociarem com Cuba, especialmente se utilizarem terrenos ou prédios que antes da Revolução pertenceram a cubanos naturalizados norte-americanos e que foram nacionalizados. Ela impõe punição executiva a empresas e multas pesadas até a turistas norte-americanos que viajem a Cuba e gastem dinheiro lá. Trata-se de um instrumento de bloqueio ferrenho contra Cuba em todos os aspectos. Há bancos que pagam pesadas multas nos EUA por estarem fazendo negociações em dólar com Cuba, pois o país é proibido pelos EUA de utilizar o dólar.

A seguir, a entrevista com o conselheiro da Associação Cultural José Martí e membro do Comitê Carioca de Solidariedade a Cuba.

Sputnik: Quais são, hoje, as principais carências econômicas de Cuba?

Ricardo Quiroga Vinhas: Cuba tem problemas muito graves de infraestrutura, porque não é um país de grandes dimensões. Tem poucas indústrias pesadas e tem que importar muitos insumos. Existe ainda a questão alimentar, porque boa parte das terras de Cuba não é agricultável, e isto faz com que a produção não atenda a demanda e, em consequência, se tenha que importar alimentos. Esses são os principais elementos: a parte da indústria pesada, maquinaria, bens de consumo, principalmente os mais modernos eletrônicos, e a questão alimentar, que ainda é crucial para a Revolução Cubana.

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S: E qual a expectativa pela entrada das empresas dos Estados Unidos em Cuba?

RQV: Expectativa positiva. Primeiro porque é o vizinho mais próximo, ou seja, é inevitável ter negócios com quem é próximo e é maior potência econômica do mundo. Em vez de importar arroz do Vietnã, por exemplo, Cuba passaria a comprar arroz do Texas, o que baratearia o custo, a despeito de haver ainda problemas referentes ao bloqueio econômico com as Leis Torricelli e Helms-Burton.

S: Com a abertura do mercado cubano para as empresas dos EUA, o senhor acredita numa possível invasão econômica a Cuba por parte dessas empresas?

RQV: Sempre há um risco, mas acho que o processo revolucionário já está bem consolidado e os EUA chegam um pouco atrasados, pois já existem várias empresas de outros países que estão já bem consolidadas em setores econômicos cubanos. Quando efetivamente a legislação do bloqueio for derrubada, talvez as empresas estadunidenses cheguem para ajudar na questão das relações comerciais, mas não com a força que poderiam ter se tivessem feito isso há 10, 15 anos. Não acredito numa invasão que poderia ameaçar as bases, os fundamentos da Revolução Cubana.

S: O senhor acredita na possibilidade da submissão futura de Cuba aos EUA?

RQV: Não. Isso é desconhecer a história da Revolução Cubana. Na verdade, esse restabelecimento é uma vitória da Revolução Cubana, ou seja, ela não mudou um milímetro nas suas convicções, nos seus princípios, e os EUA é que foram obrigados pela conjuntura internacional. Inclusive, a última votação na Assembleia-Geral da ONU contra o bloqueio – 191 a 2 votos, salvo engano, 2 votos de EUA e Israel – demonstra que os EUA foram superados nesta questão. O restabelecimento de relações é uma vitória total da Revolução Cubana. Então, não há o menor sentido nisso [a possibilidade de submissão de Cuba aos EUA], e, se fosse o mero restabelecimento de relações diplomáticas que geraria algum problema, outros países que tiveram relações diplomáticas com os EUA teriam tido os mesmos problemas, e isso não é verdade. Além disso, se eles não conseguiram isso ao longo de mais de 50 anos de sabotagens, terrorismo e bloqueio, não será agora com a mera abertura da embaixada que vão conseguir obter alguma coisa. Seria subestimar demais a capacidade do povo e do Governo cubano.

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S: A realização da eleição presidencial dos EUA no próximo ano deixa prever uma radicalização em torno do tema do fim do bloqueio a Cuba, com o Partido Republicano criando dificuldades para que esse bloqueio seja levantado. Qual a sua expectativa?

RQV: Há uma vontade muito grande do setor empresarial e de uma parte da sociedade dos EUA de levantar o bloqueio, mas isso é sempre um tabu por conta do colégio eleitoral da Flórida. A minha opinião é de que isso pode ser superado, porque pelo menos a massa cubana contrarrevolucionária que está na Flórida não tem mais tanto peso como tinha antigamente. Entretanto, o grande problema não é nem a vontade do presidente, mas a composição do Congresso, pois só ele pode revogar as leis do bloqueio. O presidente dos EUA pode mitigar – Obama tentou fazer isso um pouco – mas é o Congresso que pode revogar as leis. Então, vai depender muito mais da votação para o Congresso do que da votação para a Presidência, embora isso também influa um pouco no desenrolar dessa questão. Eu não acredito no levantamento do bloqueio nos próximos anos. Pelo menos não totalmente. Alguns aspectos podem ser mitigados, mas não totalmente.

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