Argentina enfrenta os ‘fundos abutres’ no tribunal em Nova York

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O Juiz Thomas Griesa, da Justiça de Nova York, que está apreciando as questões que envolvem os chamados “fundos abutres” e o Governo da Argentina, concedeu mais prazo às partes para que procurem chegar a acordo em torno do pagamento da dívida argentina.

A decisão do juiz foi anunciada na quinta-feira, 5, e as partes só devem retornar ao Tribunal para a homologação do acordo. Pelo menos, é o que aguarda o magistrado. Os “fundos abutres”, sediados nos Estados Unidos, exigem o pagamento total da dívida, enquanto a Argentina afirma não ter condições financeiras de pagar o exigido, oferecendo 30% do seu valor.

As negociações da Argentina com estes fundos datam de 2004, um ano após o então Presidente Néstor Kirchner assumir a Presidência da República em circunstâncias econômicas nada favoráveis. Néstor Kirchner, marido da atual Presidente Cristina Kirchner, determinou à sua equipe econômica que negociasse títulos da dívida argentina em condições que permitissem ao país iniciar um processo de recapitalização. Então, os “fundos abutres” entraram em ação, comprando os títulos por um terço do seu valor para, na revenda, obter o valor total.

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Com o passar do tempo e a Argentina mantendo as dificuldades econômicas, alguns fundos aceitaram acordo e permitiram ao Governo o resgate dos títulos por quantias inferiores aos valores de face. Outros, porém, decidiram exigir o valor integral, e a questão foi parar no tribunal. Em 2012, a Justiça dos Estados Unidos determinou o pagamento total e, pelos cálculos do Governo argentino, os valores girariam em torno de 1,3 bilhão de dólares. Como ainda não se obteve acordo, a estimativa é de que, com a correção dos valores, a dívida atualizada seja de 15 bilhões de dólares. Assim, a questão continua na Justiça.

Sputnik Brasil ouviu especialistas sobre esta questão. O economista Roberto Fendt, secretário-executivo do Conselho Empresarial Brasil-China, considera que, embora seja louvável a atitude do Juiz Thomas Griesa, de conceder às partes um prazo maior para elaboração de um acordo, a situação demandará algum tempo para ser resolvida, porque os credores não abrem mão de receber o total.

Já Rafael Araújo, professor da Unilasalle e da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, especialista em políticas latino-americanas, entende que a questão só será resolvida no próximo Governo argentino. No dia 22 deste mês, os argentinos irão às urnas para escolher, em segundo turno, o sucessor de Cristina Kirchner, se Mauricio Macri ou Daniel Scioli.

Os dois especialistas consideram a questão extremamente complexa. Roberto Fendt pensa que o Juiz Griesa prefere que as partes estreitem suas diferenças e cheguem a um denominador comum.

“Talvez não seja o ideal para nenhuma das partes, mas será melhor do que uma decisão unilateral da qual uma parte sairá muito prejudicada”, diz Fendt. “A Argentina, como a maior parte dos países, emitiu títulos da dívida pública, em dólares, que foram adquiridos por investidores em várias partes do mundo. Esses investidores foram fundos de pensão, bancos, seguradoras e também pessoas físicas. Num determinado momento, depois de emitidos regularmente esses títulos, o Governo argentino viu-se por circunstâncias impossibilitado de pagar, não tinha recursos, perdeu as reservas internacionais e com a perda dessas reservas se viu impossibilitado de pagar. O que fez o Governo argentino? Fez o que qualquer banco faz quando tem uma inadimplência generalizada: chamou os credores e disse que não tinha como pagar, não tinha os dólares para honrar a dívida da qual eles eram credores e perguntou se aceitariam receber 30% ou não. Um grande número de investidores, entre não receber nada e receber os 30%, achou ser um negócio melhor receber os 30%, até porque, em parte, como os juros que foram pagos antes da moratória eram muito altos, compensavam o investimento e assim o prejuízo seria menor para muitos fundos aceitar a oferta argentina. E a maior parte aceitou reduções no valor devido e fez um acordo. Ocorre que alguns fundos não aceitaram a oferta, apesar de o Governo argentino dizer que não tinha como pagar além dos 30% que havia sido oferecido.”

O economista Roberto Fendt continua:

“A imprensa argentina resolveu chamar esses fundos de ‘abutres’, porque querem comer a carniça do que sobrou das reservas argentinas. Do lado da Argentina, ela argumenta que se ninguém tivesse aceitado, se eles não tivessem pagado a ninguém, eles estariam inadimplentes, mas não consideram que estão porque a maior parte dos credores aceitou a oferta dos 30% e recebeu o pagamento. Aos que não aceitaram, o Governo diz que não tem como pagar. Em razão dessa diferença de opinião, que não é pequena, os credores desses fundos foram à jurisdição que lhes cabia, em Nova York, e entraram com uma ação de ressarcimento do dinheiro. E é esta ação que vem correndo, há longo tempo, com as partes interpondo recursos tanto de um lado quanto do outro. E agora o grande interesse do juiz é fazer uma conciliação. Ele prefere que o Governo argentino e os fundos escolham um meio termo, que não serão, obviamente, os 30%, mas talvez aceitem um percentual pouco maior e encerrem esta pendência.”

O Professor Rafael Araújo conta que o Governo argentino renegociou a dívida do país com os credores entre 2005 e 2010, e esses títulos, que não chegam nem a 10%, foram comprados por fundos de especulação que tentam agora conseguir o valor total dos títulos e não aceitam nenhum tipo de negociação com o Governo, que se nega a pagar o valor total, dado que ele estabeleceu, entre 2005 e 2010, a renegociação desses títulos da dívida argentina.

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Para esses credores implacáveis, que exigem o pagamento integral da dívida, a Argentina está numa situação de inadimplência, mas a Presidente Cristina Kirchner disse há algum tempo que o fato de a Argentina não pagar o valor exigido mas ter apresentado uma proposta de pagamento em valores inferiores não permite que o país seja considerado devedor inadimplente.

O Professor Rafael Araújo considera que “a grande questão que faz com que o Governo argentino enfrente esses credores é que eles se aproveitaram do momento da explosão da dívida argentina e da quebra do país, em 2001, e compraram os títulos a um valor menor do que o total da dívida, e agora tentam especular com o Governo.

“O argumento do Governo é que a dívida foi renegociada e que este setor, que detém títulos da dívida que não chegam nem a 10% do total, tenta criar um cenário de instabilidade para pressionar o Governo a pagar o valor total dos títulos, algo em torno de US$ 1,35 bilhão”, afirma Rafael Araújo. “Temos uma situação de impasse, mas eu não considero a Argentina devedora, já que ela chamou os credores para renegociação.”

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