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Opinião: Não há clima nas Forças Armadas para a aventura do golpe

© Fotos Públicas / Gcom-MT / Mayke ToscanoExército brasileiro.
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O cientista político Antônio Marcelo Jackson, da Universidade Federal de Ouro Preto, comenta a entrevista concedida ao “Estadão” pelo comandante do Exército, General Eduardo Villas Bôas, e afirma não ver possibilidade de um golpe como o de 1964.

Dias após reunir oficiais de alta patente para tecer críticas à Presidência da República e à administração política do país, o general de quatro estrelas Antônio Hamilton de Martins Mourão foi exonerado da Chefia do Comando Militar do Sul, sediado em Porto Alegre, no Rio Grande do Sul, e designado pelo comandante do Exército, General Eduardo Villas Bôas, para atuar em Brasília, na Secretaria de Economia e Finanças do Exército.

Em entrevista ao jornal “O Estado de São Paulo”, o General Villas Bôas disse que a sua decisão de exonerar o General Antônio Mourão do Comando Militar do Sul é exemplar, para que novos incidentes como esse não venham a ocorrer. Além disso, Eduardo Villas Bôas disse que quem fala pelo Exército é seu comandante-geral, no que diz respeito ao aspecto institucional.

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Ao analisar os fatos para a Sputnik Brasil, o cientista político Antônio Marcelo Jackson, professor da Universidade Federal de Ouro Preto, MG, afirmou que, do ponto de vista dos princípios do Exército e das Forças Armadas em geral, o General Eduardo Villas Bôas agiu de forma certa: “Como militar da ativa e com a responsabilidade de estar à frente de um dos principais comandos da Força Terrestre do país, o General Antônio Mourão tinha consciência dos seus atos e sabia que romper com a hierarquia é algo inadmissível no meio militar.”

A seguir, a entrevista com o cientista político Antônio Marcelo Jackson.

Sputnik: Poucos dias depois da exoneração do General Antônio Mourão, o General Eduardo Villas Bôas, comandante do Exército, concedeu entrevista ao jornal “O Estado de São Paulo” na qual declarou que quem tem que fazer alguma manifestação de ordem institucional pela Força Terrestre é seu comandante e que a atitude tomada em relação ao General Antônio Mourão foi exemplar para que a sua atitude não seja repetida por outros oficiais. Como o senhor analisa estas questões?

Antônio Marcelo Jackson: Não podemos perder de vista que, ao falarmos de democracia, nós estamos pensando democracia de um cenário mais geral, em relação à sociedade inteira, mas é possível, e acaba acontecendo isso em todos os lugares, a existência de órgãos não necessariamente democráticos dentro da própria democracia, ou seja, existem certas instituições em que o funcionamento, por sua natureza, não é preso a valores democráticos, republicanos ou o nome que se queira dar. O Exército é um desses elementos. A fala do General Eduardo Villas Bôas – quando ele diz que a fala oficial do Exército é institucional e deve ser feita pelo seu comandante, no sentido de ele estar tratando de uma instituição chamada Exército – em sua fala ele tem toda a razão, porque o Exército não é democrático, nunca foi, nem é em lugar nenhum do mundo. Nunca teremos um soldado debatendo com um general se alguma coisa deve ou não ser feita. O papel do Exército é seguir o seu comandante-chefe, que no caso das repúblicas é o presidente da República ou o primeiro-ministro, conforme for. A fala dele está certa.

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S: O que lhe parece o fato de o General Mourão ter reunido oficiais do Sul do país para analisar o quadro político? Ele agiu como cidadão, agiu como comandante militar ou exerceu apenas o seu direito de se manifestar?

AMJ: Como cidadão é lógico que ele tem todo o direito de falar o que ele quiser, ninguém pode tolher este direito. O problema todo – e aí voltamos à fala do General Villas Bôas, que é o atual comandante do Exército, subordinado de forma direta ao Ministro da Defesa Aldo Rabelo e de forma mais do que indiscutível, à Presidente Dilma Rousseff – é que na medida em que temos um general falando isso e naquele momento esse general é o comandante das forças no sul, essa fala dele, por mais privada que fosse, não era uma fala feita para um grupo de amigos num churrasco no final de semana, havia uma reunião de oficiais, por mais informal que fosse essa reunião. Na medida em que ele reúne um grupo de oficiais de patente igual ou próxima à dele, da mesma instituição e apresenta uma declaração como essa, sem dúvida ele está quebrando uma regra básica da instituição militar, que é a hierarquia. De fato o General Villas Bôas o destituiu e o colocou em um cargo meramente burocrático, o que para ele é uma demissão exemplar, a fala do Villas Bôas está certíssima, isso é real, ele [o General Mourão] não poderia ter feito isso.

S: As declarações do General Antônio Mourão e a consequência dos seus atos podem provocar reações semelhantes por parte de outros oficiais generais e patentes correspondentes?

AMJ: Eu vou levar a sério e ao pé da letra a declaração do atual comandante do Exército, General Eduardo Villas Bôas. Ele disse, primeiro, que é uma crise ética, e essa crise ética, me parece, passa pelo Exército na medida em que o General Mourão deu essa declaração lamentável, ele feriu a ética aí. As instituições, por outro lado, deveriam demonstrar que são mais sólidas, coisa que também o General Villas Bôas defende, e ao punir com a exoneração o General Antônio Mourão ele demonstra que a sua fala funciona, ou seja, as instituições devem falar mais alto, as instituições estão mais sólidas no Brasil. Quando você me pergunta se isto estimula outros de igual patente a apresentarem este tipo de comportamento, eu respondo que esta atitude do General Villas Bôas vai contra isso. Ele deixa claro que existe uma hierarquia que deve ser cumprida. Quando voltamos no tempo e pensamos no golpe militar de 1964, ele não foi um golpe do Exército, foi de facções do Exército, e depois existiu uma caça às bruxas dentro do próprio Exército, da Marinha e da Aeronáutica. Essa hierarquia também foi quebrada em 64 e essa atitude que o General Villas Bôas apresenta agora é para que essa hierarquia não seja quebrada. Existe uma regra, existe uma hierarquia, existe uma ordem a ser cumprida.

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S: Há clima no Brasil e nas Forças Armadas para que 1964 venha a se repetir?

AMJ: Não, porque as próprias Forças Armadas reconhecem isso. Estou me prendendo somente às falas do General Eduardo Villas Bôas, ele deu uma declaração em que diz que para o golpe de 64 ele até encontra alguma justificativa, porém os militares pagam até hoje por esse golpe. São condenados publicamente por esse golpe e por todos os erros que aconteceram depois. Não vejo possibilidade alguma, clima algum, nas Forças Armadas.

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