Benghazi: Cortina de fumaça sobre o verdadeiro escândalo envolvendo os EUA na guerra líbia

© Sputnik / Andrei Stenin / Acessar o banco de imagensManifestantes queimam retratos de Muammar Khaddafi em Benghazi
Manifestantes queimam retratos de Muammar Khaddafi em Benghazi - Sputnik Brasil
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Falando da investigação do Congresso dos EUA sobre o atentado terrorista de Benghazi em 2012, Benjamin H. Friedman, pesquisador sênior do Instituto Cato, afirma que as audiências desviam a atenção pública do verdadeiro escândalo por trás do papel dos EUA na guerra da Líbia: a facilidade com que o governo Obama foi capaz de recorrer à força militar.

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Em sua análise, publicada no The National Interest nesta quarta-feira (28), Friedman observou que o uso da investigação "como uma bandeira de campanha [presidencial de Hillary Clinton] nos distrai do fato de que [o ataque terrorista à missão diplomática dos EUA em Benghazi] foi um trágico resultado de uma guerra tola, uma que a secretária Hillary Clinton defendeu".

Examinando a iniciativa dos congressistas republicanos de lançar mais de meia dúzia de investigações sobre as ações de Clinton, o analista apontou que "se um décimo do escrutínio que o Congresso dedicou a Benghazi fosse para o caso do governo por bombardear a Líbia em 2011, aquele caso entraria em colapso. As falhas no caso estavam claras então, e a desintegração pós-guerra da Líbia, da qual o caos de Benghazi foi sintomático, apenas as torna mais claras".

Assim, na visão de Friedman, "o verdadeiro escândalo" sobre a Líbia não foi o desastre de Benghazi em si, tanto quanto "a guerra dos EUA na Líbia e o fracasso do Congresso em exercer os seus poderes de guerra e interrogar suas justificativas".

O analista observa que, quatro anos depois, nenhuma das justificativas do governo Obama para apoiar os rebeldes da Líbia deram frutos.

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Apesar do argumento de que "uma vitória rebelde sobre o governo Khaddafi faria da Líbia uma democracia liberal", o país africano se tornou, ao invés disso, "iliberal e caótico", com milícias armadas desafiando abertamente o Estado até hoje.

Friedman também lembrou que, antes do início da intervenção, o governo norte-americano recebeu inúmeras advertências de especialistas que mostravam que a Líbia não tinha "os pré-requisitos que tendem a produzir um governo liberal", e que "intervenções militares em guerras civis", como a que estava sendo proposta e acabou sendo realizada pela Administração Obama, "geralmente produzem instabilidade continuada e transições democráticas malsucedidas".

Quanto à sugestão do governo de que o apoio aos rebeldes da Líbia iria provar a resolução dos EUA em ajudar os manifestantes da chamada Primavera Árabe na região, aumentando as chances de se ver “ditadores dando lugar a revoltas populares”, Friedman argumenta que essa ideia foi "ainda menos sensível”. 

“Se eles [os ditadores] de fato aprenderam lições a partir da Líbia, foi a de esmagar a dissidência antes que ela convide ajuda externa e que eles acabem como Khaddafi – sendo brutalmente assassinados no YouTube enquanto a secretária de Estado norte-americana faz gracejos: ‘Nós viemos, nós vimos, ele morreu’”. [Referência ao “Veni, vidi, vici”, frase latina atribuída a Júlio César em 47 a.C. e que, literalmente, significa “Vim, vi, venci”].

Quanto ao muito apregoado argumento de que a intervenção teve como objetivo salvar vidas civis na Líbia, Friedman aponta que não só Khaddafi não ameaçava a população com "genocídio", como sugeriu Clinton na audiência de quinta-feira passada (22), mas também que a intervenção estrangeira e o prolongamento da guerra civil "provavelmente produziu mais mortes do que o faria a vitória de Khaddafi [contra os rebeldes], que seria provável na ausência de intervenção".

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Citando o acadêmico de Relações Internacionais de Harvard Alan Kuperman, Friedman observou ainda que "o colapso pós-guerra do Estado acrescenta muito ao custo humanitário da intervenção", e que "isso também era previsível". 

Alegando, enfim, que muitos países do Oriente Médio, incluindo a Líbia, o Iraque e a Síria, não têm "a coerência institucional e ideológica" necessária para a produção de uma transição democrática liberal, o analista afirmou que a derrubada do regime de Khaddafi “produziu uma violência política suscetível de durar, à custa da riqueza, da saúde e da expectativa de vida dos líbios".

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Preocupantemente, Friedman destaca que apesar do surgimento de um escândalo em torno dos ataques de Benghazi, a guerra, em si, não tem sido objeto de escrutínio por parte do Congresso. Isso, na opinião do analista, se deve ao fato de que “a guerra foi bipartidária", com praticamente todos os congressistas republicanos a favor, e com os democratas muito "ocupados defendendo Obama e Clinton nas barricadas partidárias para entrar em quaisquer inclinações pacifistas que eles pudessem ter vis-à vis a Líbia".

As consequências, na opinião do especialista, não são apenas uma perigosa ausência de prestação de contas, mas também uma incapacidade de se aprender com os erros. 

"Com ninguém no poder motivado a criticar a sabedoria da guerra, os argumentos [que a justificam] escapam do exame. A consequência não é apenas a ausência de prestação de contas. Hoje, um coro bipartidário, incluindo Clinton e seus críticos republicanos, faz alegações similarmente fátuas na pressão por maiores esforços para ajudar os rebeldes da Síria", notou o especialista.

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Comentando a declaração de abertura de Clinton na audiência de quinta-feira – quando ela efetivamente sugeriu que "a lição da Líbia [era] que temos de intervir com mais frequência ou completamente" –, Friedman ressaltou que "se alguém na Comissão [de investigação] não concordou com esta sugestão, não se pronunciou”.

Em suma, na visão de Friedman, "as audiências sobre Benghazi foram piores do que uma caça às bruxas partidária”, sendo excessivamente estreitas em seu escopo.

“O verdadeiro problema da nossa política externa não é o partidarismo, mas o consenso bipartidário que produz aventuras militares irresponsáveis e não consegue aprender com elas", concluiu o analista.

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