Discussão das relações Cuba-EUA gira em torno de indenizações e Guantánamo

ENTREVISTA COM JONUEL GONÇALVES 2 DE 10-09-15
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A Comissão Bilateral Cuba-Estados Unidos tem reunião marcada para esta sexta-feira, 11, na capital cubana. Em pauta, o estabelecimento de uma agenda de negociações para a consolidação do relacionamento entre os dois países após a reabertura das respectivas embaixadas em Washington e Havana.

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Em comunicado conjunto, membros deste colegiado explicaram que “a Comissão Bilateral discutirá as novas áreas da cooperação de benefício para os pobres, o diálogo sobre assuntos bilaterais e multilaterais, inclusive aqueles nos quais existem diferentes concepções e as questões com soluções pendentes entre Cuba e os Estados Unidos”.

O vice-secretário adjunto para Assuntos do Hemisfério Ocidental do Departamento de Estado, Edward Alex Lee, presidirá a delegação dos Estados Unidos em Havana. Por parte de Cuba, a chefe da delegação será Josefina Vidal, do Ministério das Relações Exteriores.

Sobre esta nova fase de negociações entre Cuba e Estados Unidos, a Sputnik Brasil entrevistou Jonuel Gonçalves, professor de Relações Internacionais da UFF – Universidade Federal Fluminense. Na opinião do especialista, as negociações serão longas e minuciosas, pois há muito que ser debatido, como, por exemplo, o estabelecimento de critérios para o pagamento de indenizações recíprocas exigidas pelos dois países.

Sputnik: O que o senhor espera desta reunião da Comissão Bilateral Cuba-Estados Unidos, a ser realizada pela primeira vez?

Jonuel Gonçalves: O que eu gostaria de saber é se a reunião tem data marcada para terminar, porque uma reunião de agenda pode ir muito longe. Cada país tem uma agenda. Os EUA têm uma, Cuba tem outra. Além disso, tanto os EUA quanto Cuba vão tentar anular aspectos propostos pela agenda do outro. Os EUA vão tentar colocar a questão dos direitos humanos como condição para reintegração plena de Cuba no sistema interamericano, voltar para a OEA com todas as prerrogativas, beneficiar-se do princípio de comércio favorável em determinadas circunstâncias, e é provável que os norte-americanos venham a propor a Cuba um acordo comercial semelhante ao que os EUA têm com países do Caribe, como a República Dominicana.

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S: Quando o senhor fala em Direitos Humanos, o senhor se refere à libertação de presos políticos?

JG: Em primeiro lugar, a libertação de presos políticos, em segundo a liberdade de imprensa, dando a possibilidade de que os dissidentes que estão em Cuba possam constituir jornais. Em consequência disto, temos aqui dois problemas: primeiro, Cuba não vai concordar, vai dizer que isto é um assunto interno e que vai gerenciá-lo no ritmo que ela decidir. Em segundo lugar, ainda antes das indenizações, surge o problema dos exilados cubanos em Miami que eventualmente queiram voltar para Cuba, e o Governo norte-americano logicamente vai colocar isto em termos absolutos e o Governo cubano vai dizer que só pode reintegrar gradualmente, de acordo com a evolução da economia cubana. Há questões de ordem econômica que são muito importantes no caso das indenizações: é a legitimidade da indenização em si, e qual a taxa de câmbio que será aplicada? É aquela de 50 anos atrás ou há uma atualização com a taxa de câmbio atual? Isto, em questões mesmo de países com relacionamento normal, é coisa para demorar anos. Naturalmente, na questão das indenizações os dois lados vão aceitar que isto entre na agenda, para não criar problema, mas todo o mundo vai saber que tecnicamente isto não se resolve em menos de 2, 3 anos. Inclusive, a indenização pode até caducar ou ser transformada em investimento.

S: O que o senhor acredita que acontecerá com Guantánamo?

JG: Os americanos, por questão de segurança, vão acrescentar o tema de Guantánamo à luta contra a pirataria, contra o tráfico de drogas, e vão situar o acordo de Guantánamo no quadro histórico. Vão dizer que foi um Governo cubano legítimo que assinou isso, e eles não podem negar uma coisa dessas. Já Cuba vai dizer que realmente este acordo não pode ser vitalício porque o Governo cubano que fez esta concessão a deu de forma ilegítima, e a legislação cubana caiu toda e não é possível que o Governo cubano autorize uma parte do território de Cuba ser gerenciada por outro. Isso vai depender de dois aspectos. Um deles: se nos EUA as teses de segurança caem e, sobretudo, se a base de Guantánamo é considerada obsoleta, como de fato o é. Com o material que existe hoje não há necessidade de uma Guantánamo como havia há um século. Tanto que os americanos têm bases com o mesmo alcance em Porto Rico. Portanto, se a tese não excessivamente de segurança nos EUA vencer, por exemplo, fechar completamente as instalações penitenciárias da base, isso pode ser uma grande moeda de troca dos EUA. A Marinha deles vai continuar andando na área mesmo com outras bases, mas em troca temos a questão dos direitos humanos. Esta questão do “não muita segurança” significa se Hillary Clinton ganhar as eleições, pois, se ganham os republicanos, eles vão fazer chantagem em cima de Cuba com qualquer item da agenda.

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S: Talvez esta reunião de sexta-feira se atenha a aspectos comerciais como o restabelecimento de rotas aéreas entre Cuba e EUA…

JG: A ligação aérea já tem provedor de serviço. Há duas empresas que dizem que estão prontas com equipamento para fazer a ligação imediatamente. Uma seria feita a partir da Flórida, que é muito fácil de fazer, mas outra poderia ser feita a partir de Nova York, onde também existe uma muito importante comunidade cubana ou de descendentes cubanos.

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