Entrevista exclusiva: presidente da Sérvia fala sobre China, Putin e a onda de imigração

© Sputnik / Aleksei Nikolsky / Acessar o banco de imagensTomislav Nikolic
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O presidente da Sérvia, Tomislav Nikolic, acaba de retornar de Pequim, onde participou das celebrações dos 70 anos da Vitória na Segunda Guerra Mundial. Nikolic aproveitou a visita para realizar uma série de encontros bilaterais com presidentes que participaram dos eventos.

Em entrevista exclusiva à Sputnik, Tomislav Nikolic contou sobre sua visita à China, revelou o teor de suas conversas com presidente da Rússia, Vladimir Putin, e explicou a sua posição e as dificuldades vividas pelo seu país em função da onda de imigrantes que tomou a Europa. 

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Tomislav Nikolic: Em Pequim foi fantástico. Além disso, verificamos mais uma vez o alto nível das relações da Sérvia com China, fundamentadas em uma amizade de longa data, cooperação e acordos que a China, segundo percebi, respeita e valoriza mais do que a própria Sérvia. Eles souberam valorizar o fato de termos enviado nossos militares para a parada militar em Pequim, já que eles convidaram representantes de países que sofreram sérias perdas durante a Segunda Guerra Mundial e desempenharam um papel importante na derrota de Hitler. O processo de libertação da China, aliás, foi concluído com a participação do Exército Vermelho. Quando isso foi mencionado durante as celebrações, a plateia ovacionou. Está claro que a China e a Rússia estabeleceram relações de amizade muito próximas. Dificilmente alguém poderá estragá-las. 

Sputnik: Sobre o que foi a conversa com Putin?

TN: Presidente Putin e eu aproveitamos todas as oportunidades para conversar sobre a nossa cooperação atual e a longo prazo. Sobre como a Sérvia e a Rússia são sinônimos de unidade. Eu agradeci o presidente Putin pelo veto à resolução sobre Srebrenica. Com essa resolução os crimes de Srebrenica entrariam para a história da humanidade na qualidade de genocídio. Dessa forma, outros povos, também vítimas de genocídio, teriam sido relegados a um segundo plano. Por exemplo, o povo chinês em Nanquim, onde os japoneses, em menos de um mês, mataram cerca de 300 mil pessoas. Isso sem falar dos armênios, russos, povos africanos e índios americanos. Ou mesmo sérvios, cujo genocídio foi realizado por croatas e alemães, que fuzilavam 100 civis por um militar morto. Tudo isso seria relegado a um segundo plano. A resposta de Putin foi curta: “De amigo para amigo!”. 

S: Você planeja visitar Moscou?

TN: Sim, conversamos sobre isso também. Eu disse ao Putin que encontraria um momento para isso, de modo a ser mais conveniente para ele, mas ele respondeu: “Quando quiser”. Um fato interessante. Antes disso, quando estive em visita oficial em Moscou, eu disse ao Putin que talvez fosse sensato comparecer à Assembleia Geral da ONU. Eu estava enojado de ouvir como eles atacam a Rússia. Isso tudo começou em setembro do ano passado. A Rússia era comparada com Alemanha nazista e Putin com Hitler, tudo isso vindo das tribunas da assembleia.

Na época eu disse “Senhor Presidente, penso que o senhor está errado em não viajar para lá para rebater isso”. Putin respondeu: “não, não vou. Irá o ministro das Relações Exteriores, Lavrov”. 

Desta vez ele disse para mim que pretende participar da Assembleia Geral da ONU. Na minha opinião, esse será um acontecimento de importância histórica comparado com aquele evento, quando Khrushchev, dizem, bateu com sapato na tribuna e proferiu que ninguém ousa humilhar a Rússia. 

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S: Será que Putin se comportará com Khrushchev?

Claro que não. Mas eu acho que essa sessão será um acontecimento de extrema importância e que muitas pessoas no Ocidente entenderão que, ao brincar com a Rússia, com sua compreensão dos valores, seu orgulho, elas na realidades estão brincando com dezenas, centenas de milhões de pessoas e, no final das contas, com a paz e a segurança no planeta. E que seria muito melhor cooperar com a Rússia, pois isso é capaz de melhorar a situação no mundo. Já as brigas só trazem prejuízos.

S: Qual seria a sua avaliação das sanções aplicadas contra políticos russos, quando estes pretendem participar de eventos internacionais? Por exemplo, a situação com Valentina Matvienko? 

TN: Isso, de fato, é um precedente. Eles até podem se comportar assim em relação às autoridades de escalão menor. Isso já aconteceu na história de relacionamento dos EUA e da UE conosco. Mas a Assembleia Geral da ONU não é um assunto exclusivo dos americanos. Nesse caso, limitações desse tipo podem significar fim de boas relações entre superpotências mundiais. 

S: Europa foi tragada por uma onda de imigrantes e Sérvia também não escapou disso. O país aguentará a isso? Esse afluxo será capaz de alterar o quadro étnico da Europa?

Eu não posso interferir na política em relação aos imigrantes. Esse assunto é da competência do governo. Eu comuniquei a minha posição sobre o assunto antes de viajar para China. Os imigrantes estão se tornando um problema sérvio, mas eles não são um problema sérvio. Os tiros na África não começaram por nossa causa. Nos não roubamos deles as suas riquezas naturais, não fomos nos que atiramos bombas neles, não fomos nos a destruir todos os dispositivos de estado deles, não fomos nos a derrubar os preços do petróleo. Historicamente, temos excelentes relações com esses povos e estados. Somos seus companheiros na desgraça. Eles possuíam mais riquezas que nos. 

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S: A riqueza seria o motivo de tantas guerras?

É possível. As suas riquezas naturais e a falta de compreensão de que tudo isso pode ser destruído. Tenho a impressão de que Irã compreendeu isso antes de todos e se preparou. Síria também, há algum tempo, comprou bons equipamentos de defesa. Por isso ninguém inicia uma intervenção direta contra ela. Em vez disso, o país está sendo submetido à tortura. Aqueles que são chamados hoje de principal problema mundial recebem apoio por lá.

Por que nos precisamos arcar com a consequência disso tudo, ainda mais quando 90% desses imigrantes na verdade sonham em chegar a somente quatro estados europeus? Seria melhor construir fábricas nos países de onde as pessoas estão fugindo e elas ficariam lá. Eles não vieram para Europa para se alimentar às custas da Cruz Vermelha. Elas estão aqui para encontrar um trabalho, encontrar seus parentes. Para morar e falar o idioma dos seus invasores, que ocupam seus territórios há séculos. Quem pensa a sério sobre isso tudo não vai abandonar a Macedônia, a Sérvia e outros países dos Balcãs para tratarem sozinhos do problema da imigração. Nos não podemos solucionar nada, mas podemos nos esforçar para que as condições para os imigrantes não sejam desumanas. Ouvi dizer que essas pessoas, quando chegam à Servia por Bulgária, imploram para não serem enviados de volta para lá. Quem sabe, o que acontece com eles lá, nesse país democrático da União Europeia, se eles reagem assim?

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