Deputado francês cobra reaproximação com a Rússia e fim da influência dos EUA sobre Paris

© AFP 2023 / Kenzo TribouillardJacques Myard, deputado francês.
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O deputado francês Jacques Myard faz parte de um grupo de 10 membros da Assembleia Nacional da França que estiveram em Moscou e nesta quinta-feira visitam a Crimeia. Em entrevista a Sputnik, ele defende a reaproximação com a Rússia e a entrega dos navios Mistral e diz que seu país se rendeu à pressão dos EUA.

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Sputnik – Quais são seus objetivos desta visita à Crimeia?

Jacques Myard – Está muito claro. Nós pertencemos à oposição na França e sempre consideramos que a presente política externa francesa em relação à Rússia não é apropriada, por causa das sanções por conta da questão da Crimeia, que não são do interesse da França. Vocês conhecem nossa posição, nossos pensamentos. A Crimeia pertence à Rússia… por anos e anos.

O que aconteceu em 1954, quando (Nikita) Khrushchev empurrou a Crimeia para a Ucrânia, foi uma decisão administrativa, porque, na época, a Ucrânia estava dentro da União Soviética. Portanto, não foi uma modificação internacional, foi mais uma modificação administrativa. Depois, claro, passo a passo, os russos da Crimeia queriam voltar para a Rússia. Não foi só em 2012 ou 2013… Não me lembro a data exata em que o referendo aconteceu… Eles apenas manifestaram a sua vontade. É perfeitamente normal que a Crimeia pertença à Rússia.

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S – A que se deve a atual política externa francesa em relação à França?

JM – Por causa da chamada solidariedade europeia e por causa da pressão dos norte-americanos, a França juntou-se a essa postura contra a Rússia, na União Europeia, liderada por alguns Estados que têm uma longa história com a Rússia. Isso significa que os Estados bálticos, a Polônia – bem, eles têm boas razões porque sofreram com a União Soviética na época de Stalin. Mas hoje não podemos dizer que (Vladimir) Putin é Stalin. Isso é um absurdo. Então, na verdade, ao tomar sanções contra a Rússia, estamos agindo contra nossos os interesses. Os nossos interesses diplomaticamente, do ponto de vista geoestratégico, economicamente, comercialmente, culturalmente é que a Rússia pertença à Europa e seja um parceiro da França e da Europa.

Agindo da maneira que fazemos na Europa, bem como na França, nós seguimos na verdade aqueles que eu chamo de "ultraeuropeus", como a Polônia e os Estados Bálticos. Pode ser, por vezes, a Finlândia. Mas sob a pressão dos norte-americanos. De fato, nós agimos contra os nossos interesses e os interesses de longo prazo. Hoje estamos em uma situação de impasse, o que será muito difícil para a França. Exceto se houver uma mudança de governo, que diga ‘temos de tomar novamente as boas relações com a Rússia, temos que iniciar uma nova cooperação’. É por isso que vim aqui (na Crimeia). Eu digo, pessoalmente, esta é a prova, uma ameaça real, um deputado… mesmo que eu não esteja como um deputado, eu esteja me representando… É uma maneira de dizer que está errado, que devemos mudar nossa política em relação à Rússia, que a Rússia é nosso parceiro. Temos que mudar nossa política. E nós dizemos muito claramente, a longo prazo, deveríamos levar a Rússia de volta para o ‘Conseil de Nation”, porque a Rússia é um parceiro da Europa.

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S – Qual a posição do senhor sobre a não entrega dos navios Mistral?

JM – Isso é um grande erro também. Eu sempre disse que deveríamos entregar, havia um contrato. Estes não são os navios que irão bombardear Kiev. Estes não são um tipo de navio que vai intervir em Donbass. Então, não tem sentido não entregar aqueles navios. Passo a passo, a França foi trazida para o sistema de sanções que é absolutamente uma forma sem sentido de conduzir relações diplomáticas. Nós vemos que, se você tomar as sanções impostas pelos EUA a Cuba, verá que não levou a qualquer situação. É claro que você poderia dizer que as sanções contra o Irã forçou Teerã à mesa de negociações. A Rússia não é o Irã. A Rússia não é Cuba. Somos parceiros. Isso não significa que concordemos o tempo todo, por ter interesses em comum para lutar, para desenvolver este continente. Nunca esqueçamos que também temos uma longa história. Fiquei chocado que o governo francês, o presidente (François Hollande) não veio para o 9 de maio, que foi um grande erro quando sabemos que 27 milhões de russos foram mortos durante esta guerra. Eu não posso aceitar.

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S – A influência dos EUA é bastante grande então?

JM – A Alemanha tem historicamente boas relações com a Rússia. Mas o ponto atual é que os norte-americanos ainda seguem atitudes da Guerra Fria e que estão agindo contra a Rússia em muitos lobbies. Quero tentar reverter esta atitude, que tem sido a maneira que eles agiam durante a Guerra Fria. Eu acho que se você analisar os eventos de Kiev. Não são branco e azul. Você não tem os maus e os bons de um lado e do outro lado. É mais complicado. O que acontece em Kiev às vezes me deixa com muitas perguntas. Eu acho que mídia do mundo na Europa, bem como nos EUA, tem tomado um caminho. Quando você tenta entender o que está acontecendo, você vê que é muito mais complicado do que a mídia às vezes nos diz.

A França deve ter uma política independente, uma política diplomática independente, e não seguir os norte-americanos ou outros europeus. Temos interesses com os outros europeus, é verdade. Mas devemos ser independentes. Nós devemos ter a nossa própria política e não ficar seguindo, como tem sido feito. Eu disse ao ministro das Relações Exteriores (Laurent Fabius) que não concordo com isto. Acho que é por isso que nós estamos aqui para mostrar que existem muitos outros deputados e políticos franceses que acreditam que foi um erro punir a Rússia.

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S – A Rússia superestima a ameaça da OTAN?

JM – Não é uma questão de ameaça. Eu não acho mesmo que a OTAN e a Rússia farão uma guerra. Eu acho que é pura provocação. Quando ouvimos, digamos, alguns políticos ucranianos dizendo que querem aderir à OTAN, é um grande erro. Isso é algo que sabemos que os norte-americanos, nos tempos da reunificação da Alemanha, diziam. É claro que a OTAN não chegará perto da Rússia.

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