Opinião: Banco do BRICS pode ser a saída para a crise da Grécia

PANORAMA INTERNACIONAL COM FABIANO MIELNICZUK
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O especialista Fabiano Mielniczuk, diretor do Instituto Audiplo, preparatório de candidatos ao curso de formação dos diplomatas brasileiros, e ex-coordenador do BRICS Policy Center, da PUC-RJ, fala com exclusividade para a Sputnik Brasil sobre a crise vivida pela Grécia.

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O Professor Mielniczuk, que estará no fim deste mês participando como palestrante do evento “Civil BRICS”, em Moscou, comenta: “Uma articulação russa via BRICS, com o apoio chinês e envolvendo o Banco do BRICS, poderia ser uma espécie de tábua de salvação para a Grécia.”

Sputnik: Nós estamos vivendo dias decisivos para a Grécia a partir das sucessivas reuniões da União Europeia debatendo a sorte deste país. Para muitos da UE, a Grécia é um país inadimplente, sem condições de arcar com seus compromissos financeiros com a troika, formada pelo Banco Central Europeu, o Fundo Monetário Internacional e a própria UE. Como é que o senhor analisa o papel da Grécia? Em que situação ela está? É possível a sua recuperação?

Fabiano Mielniczuk: A situação é bastante drástica. Os gregos tinham, agora no mês de junho, uma série de pagamentos internacionais a fazer tanto para o FMI quanto para o Banco Central Europeu, títulos da dívida pública da Grécia. Parece que não estão conseguindo o dinheiro, e estão na dependência de um empréstimo extraordinário de liquidez que o Banco Central Europeu poderia oferecer, mas eles não estão encontrando os termos adequados para um acordo que agrade tanto os gregos quanto os burocratas da troika. Na verdade, as negociações que estão andando são as negociações chamadas, em inglês, de “cash for reforms”, dinheiro pelas reformas. Estas três instituições que você mencionou, a UE, o Banco Central Europeu e o FMI, estão exigindo que os gregos façam reformas e diminuam os gastos públicos para que eles emprestem dinheiro de curto prazo para que os gregos paguem as suas contas. E os gregos, como todos nós sabemos, são liderados por um partido de uma coalizão de esquerda, o Syriza, e uma das plataformas do Syriza para chegar ao poder foi de que eles não iriam transformar a situação dos gregos – que estão sofrendo com uma crise econômica recorrente já há bastante tempo – numa situação pior. Então eles não aceitam negociar o corte das pensões públicas e também a redução dos salários dos funcionários públicos. Então, é uma situação bastante crítica. Nós não sabemos exatamente até que ponto a Grécia vai conseguir manter os seus compromissos internacionais e se a UE vai continuar forçando a Grécia a aceitar as reformas que o partido no poder foi eleito para não fazer, foi eleito exatamente com uma plataforma contrária a isso. A situação é muito crítica.

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S: É sabido que o FMI, para liberar créditos, impõe condições bastante draconianas aos tomadores destes créditos. Esta semana o primeiro-ministro grego Alexis Tsipras teve oportunidade de declarar que o país não vai se submeter aos ditames do FMI. Neste caso, a Grécia estaria renunciando a estes créditos?

FM: Nós temos uma condição muito complicada, que é quando o poder econômico entra em confronto com o poder político, principalmente nas democracias e principalmente na democracia grega, e a Grécia é o berço da democracia. O próprio primeiro-ministro grego disse que os europeus não poderiam deixar a democracia morrer onde ela nasceu, fazendo menção à famosa pólis grega, de 400 anos antes de Cristo, quando os gregos deliberavam em praça pública em Atenas. Na verdade, o que acontece é que a situação econômica da Grécia é obviamente uma consequência de um histórico todo da constituição do Estado grego. Quando os turcos otomanos ocupavam a Grécia, e isso foi até um período um pouquinho anterior à Primeira Guerra Mundial, na Guerra dos Bálcãs de 1912, 1913, quando a Grécia conseguiu sua independência em relação ao Império Turco Otomano. No momento em que havia ocupação dos turcos otomanos toda a administração grega era uma administração bastante baseada no poder local. Então, os hospitais, as escolas, as universidades funcionavam a partir da própria elite local, que conseguiu os recursos para criar e gerenciar aquelas instituições. Na medida em que acabou a Primeira Guerra Mundial e nós tivemos a Grécia se constituindo como um Estado nacional, houve uma espécie de nacionalização de todas essas instituições, e desde aí começamos a perceber cada vez mais o envolvimento do Estado central grego com os custos da manutenção do Estado grego. Ao ponto de, em 2011, por exemplo, termos em torno de 55% dos gastos públicos na Grécia sendo destinados ao pagamento de pensões de funcionários públicos. A Grécia tem uma população em torno de 11 milhões de habitantes. É uma população pequena, e a principal fonte de renda dos gregos é o turismo. Então, nós temos uma população que é extremamente dependente do Estado, porém o período que foi o período de liquidez com empréstimos para a Grécia, com a adesão da Grécia à Comunidade Europeia a partir do começo dos anos 2000, foi um período em que esse dinheiro foi utilizado principalmente por partidos associados aos interesses europeus de adesão à UE, foi utilizado para manter práticas de clientelismo e patronagem. Então, não foi um dinheiro investido para modernizar a economia grega e transformar a economia grega numa economia menos dependente de capital e de empréstimos externos. E o que acontece é que durante os anos 2000 esse crescimento aconteceu, e depois da crise de 2008 não teve mais como ser sustentado. E a partir de então vários partidos vinculados aos interesses de Bruxelas tentam promover reformas na Grécia para diminuir o papel do Estado, para abrir mais para participação de empresas de outros países e também para o setor privado na Grécia, e não conseguem fazer isso porque há esses vínculos de patronagem que foram estabelecidos ao longo dos últimos anos. E o que acontece é que o Syriza chega ao poder, e quando chega ao poder ele tem uma situação que é totalmente crítica. Temos em torno de 25% da população grega desempregada hoje, e entre os jovens o desemprego chega a 50%. E é exatamente sobre este partido – que chega ao poder eleito por forças de esquerda para promover mudanças e melhorar a qualidade de vida dos gregos – que, segundo as negociações do FMI, do Banco Europeu e da EU, que recai o peso de cortar as pensões e de diminuir ainda mais a responsabilidade do Estado sobre a população. Um detalhe interessante é que dois terços dos pensionistas gregos vivem abaixo da linha de pobreza. Nós não estamos falando de um Estado que está sustentando elites que enriquecem à custa do erário público. Estamos falando de uma situação estrutural muito complexa, que deveria ter sido enfrentada há muitos anos e não o foi, e agora quando chega um partido de esquerda ao poder há uma pressão internacional muito forte e a responsabilidade é toda colocada sobre o Syriza.

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S: Mas o que deve pesar mais na administração do país, o comprometimento ideológico do governante ou a realidade política e econômica?

FM: É uma escolha quase impossível de fazer. O comprometimento ideológico do governante, quando num sistema democrático e as pessoas são eleitas para ocupar os cargos públicos, traduz uma vontade da população. E a vontade da população é que o Syriza não aceite essas imposições vindas do FMI e do Banco Central Europeu. Por outro lado, a Grécia está inserida numa economia capitalista e, no momento em que não honrar com seus compromissos, isso vai levar à fuga de capitais. E, levando à fuga de capitais, vai levar à piora da situação de crise. E hoje já se menciona muito a possibilidade daquilo que é a junção das palavras “Grécia” e “exit” (“saída”, em inglês), “greece and exit”, e é muito grande a possibilidade do “grexit”, a saída da Grécia da EU, e aí nós teríamos consequências drásticas para o modo como a União Europeia pode interagir com seus membros que também tenham situações econômicas difíceis no futuro.

S: A Grécia tem até 1.º de julho para pagar as suas dívidas, e até lá vão ocorrer diversas reuniões no âmbito da UE para decidir a sorte do país. Além disso, teve início nesta quinta-feira o Fórum Econômico Mundial de São Petersburgo, e o presidente da Rússia, Vladimir Putin, teve ocasião de receber o primeiro-ministro grego Alexis Tsipras. A Rússia poderia, neste momento, ser uma espécie de tábua de salvação para a Grécia, em que pese estar também passando por dificuldades econômicas?

FM: Eu acredito que a Rússia, como está passando também por problemas relacionados às sanções impostas pela Europa e pelos EUA, ela sozinha não conseguiria ajudar a Grécia da maneira que a Grécia precisaria para sair desta situação. Agora, uma articulação russa via BRICS, com o apoio chinês, que é a segunda maior economia e tem bastante liquidez e dinheiro para emprestar – e isso envolve, inclusive, o Banco dos BRICS e a possibilidade de a Grécia ser um membro do Banco e receber empréstimo sem condicionalidade –, aí sim eu acredito ser possível. Nesse sentido é que os gregos têm buscado auxílio dos russos, para que a Rússia articule com os BRICS uma ajuda econômica à Grécia sem forçar condicionalidades que alinhem os gregos ao ideário liberal do FMI e do Banco Central Europeu.

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S: Nas atuais condições da União Europeia, a Alemanha é vista como a maior credora da Grécia, e percebe-se que as opiniões estão divididas: enquanto a área financeira do Governo alemão sustenta que a dívida grega deva ser cobrada de maneira implacável, a chanceler alemã Angela Merkel já defendeu a possibilidade de se tentar um diálogo com o Governo grego e equacionar uma forma de pagamento. Na sua avaliação, qual destas correntes vai predominar?

FM: Eu avalio que a probabilidade maior é de que se chegue a um acordo, depois, obviamente, de bastante desgaste na interação dos gregos com a troika. E que se negocie em médio e longo prazos as reformas na Grécia, para que ela se alie um pouco mais ao ideário liberal do Banco Central Europeu mas não se alie tanto quanto seria interessante para os europeus, para que o próprio partido no poder na Grécia possa manter sua legitimidade frente à população. Eu acredito que esse cenário pode se delinear, mas a situação é tão crítica e a crise tão aguda que é possível, sim, que haja intransigência por parte dos europeus e que haja intransigência por parte dos gregos, e neste caso nós poderíamos ter o Banco do BRICS como alternativa para salvar a economia grega.

S: A atual situação da Grécia comporta uma espera até janeiro de 2016?

FM: Pelo perfil da dívida grega, acredito que não. Os gregos devem muito dinheiro tanto para o FMI quanto para o Banco Central Europeu. Também devem dinheiro referente a títulos da dívida pública da Grécia, que estão vencendo, e além disso eles têm que pagar os funcionários públicos e as pensões.

S: E ainda estão buscando crédito no FMI.

FM: Estão buscando crédito, e a economia grega está em recessão. Porque quanto mais se tem essa perspectiva de não pagamento das dívidas, aumenta a fuga de capitais do país e aumenta a diminuição dos investimentos externos no país. E os gregos estão entrando em recessão novamente. Se não me engano, no último trimestre a economia grega recuou 0,2% ou 0,4%. Num país com 50% dos jovens desempregados e 25% da população sem emprego, isso é muito sério se continuar nessa tendência.

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