Opinião: “Recuando do abismo na Ucrânia”

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“Recuando do abismo na Ucrânia”. Com este título, a agência norte-americana de análise estratégica, geopolítica e inteligência Stratfor publicou uma coluna de autoria de Jay Ogilvy, avaliando a altíssima temperatura nas relações entre Estados Unidos e Rússia, que estão a cada dia mais preocupando o mundo. Comenta Aleksander Medvedovsky.

A coluna da Stratfor não é uma descoberta da América, nem tampouco uma nova maravilha do mundo, mas, partindo daquela agência, tem uma importância considerável. Não é por acaso que entre seus clientes estão governos, agências de notícias, grandes corporações e bancos.

Um atento leitor das páginas internacionais e da mídia global, principalmente aquele que não fica satisfeito com as campanhas orquestradas das principais agências do mundo e procura conhecer opiniões alternativas, seguramente não vai ficar surpreso com o texto da coluna de Jay Ogilvy. Mas para a grande maioria, acostumada à leitura superficial, acreditando fielmente na grande mídia 24 horas por dia, 7 dias por semana, a Stratfor, sem dúvida, trouxe grandes novidades.

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O colunista define seu objetivo como "superar as narrativas simplistas que foram pintadas na mídia dos Estados Unidos. Se falharmos em apreciar os interesses reais da Rússia, se obscurecermos as realidades geopolíticas, […] então correremos o perigo de botar lenha na fogueira de velhas inimizades nesse delicado foco de crise". Ele continua: "A Crimeia era e será parte da Rússia. Acostumem-se a isso. Também vai ser o caso com Donetsk e Lugansk. Mas a Rússia não tem nenhum interesse real em avançar mais fundo na Ucrânia, […] a não ser, claro, que o Ocidente pressione no sentido de uma solução de vencedor único. […] Nesse cenário pressionado pelo Ocidente, vai correr sangue.”

Falando da única e real tentativa do pós-Segunda Guerra Mundial, ele traz uma boa lembrança: “A pressão para uma solução de vencedor único feita pelo Ocidente estaria, irracional e totalmente, em violação daquelas garantias verbais feitas quando Reagan e Gorbachev negociaram a conclusão da Guerra Fria. Tal pressão poderia fortalecer algumas ilusões alimentadas pela mídia sobre uma Ucrânia não dividida.”

Ao fazer a avaliação da posição norte-americana em relação à Ucrânia – de que ela não passa de um país da Europa Oriental tentando se livrar da pressão soviética –, Ogilvy chega à conclusão taxativa: essa narrativa é profundamente enganosa. E em seguida explica por que não se pode comparar a Ucrânia com a Polônia, a Letônia e a Romênia, todos esses três países unidos por uma língua e uma cultura. “A Ucrânia é diferente de todos os seus vizinhos na Europa Oriental. É profundamente dividida, tanto cultural como politicamente, e em sua metade oriental fortemente ligada à Rússia.”

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"A Ucrânia Oriental não é equivalente à antiga Alemanha Oriental", afirma o autor, e explica adiante: "A raiz da identidade russa nasceu na capital da Ucrânia, Kiev, séculos antes da mais recente ascensão de Moscou ao papel central."

Grandes batalhas soviéticas tiveram lugar na Ucrânia, a Crimeia sempre foi russa até ser cedida para a Ucrânia. A mídia americana ignorou essa realidade histórica, como também, ignorando a história mais recente, não levou em consideração, por exemplo, que a União Soviética deu a Crimeia de presente à Ucrânia em 1954. Como já muitas vezes comentaram historiadores internacionais, entre eles o brasileiro Ângelo Segrillo, o líder soviético da época, Nikita Kruschev, que passou sua infância na Ucrânia e foi casado com uma ucraniana, ao dar aquele presente com certeza não poderia imaginar "que sua amada Ucrânia deixaria de fazer parte da União Soviética em menos de 40 anos".

Oportunamente, o colunista recorda os últimos acontecimentos extravagantes, como, por exemplo, o fato de o Presidente George Bush por várias vezes ter prometido a Gorbachev não tirar vantagem da situação caso a União Soviética deixasse a Europa Oriental. A União Soviética assim o fez, e "de presente" ganhou tropas da OTAN a 160km de sua fronteira.

O autor da coluna da Stratfor lembra também outro “detalhe picante”, em que o Embaixador dos Estados Unidos na Ucrânia foi flagrado em fita gravada, discutindo o golpe iminente contra o presidente eleito ucraniano, Viktor Yanukovich.

En passant, o colunista destaca o "triunfalismo" dos norte-americanos como supostos vencedores da Guerra Fria, a "nova" avaliação de resultados da Segunda Guerra Mundial, a falta de seriedade da mídia americana e o desrespeito à realidade geopolítica. Já a demonização da Rússia e de suas lideranças políticas, as inverdades crescentes, as campanhas apoiadas e executadas com apoio da mídia, com o objetivo de apresentar a Rússia como agressora, são fatores que têm como meta levar medo e insegurança ao público internacional e como consequência gerar crescentes despesas com o aumento das forças armadas – na Europa em primeiro lugar.

E para concluir: “Uma compreensão mais profunda das realidades geopolíticas, vista no contexto da História próxima e remota, nos deveria impor um recuo antes de tolamente cedermos ao impulso de armar os ucranianos contra uma improvável ofensiva russa." 

É uma leitura merecedora de atenção, tão importante para o público que quer saber mais além daquilo colocado quase forçosamente nas suas mentes, como para as próprias mídias simplistas, provincianas e primitivas, que emprestam seu espaço para a lavagem cerebral de seus leitores, ouvintes, telespectadores e internautas.

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