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Embraer x Bombardier: guerra de gigantes por um mercado de U$ 300 bilhões

© AP Photo / Kin CheungPôster com avião da Embraer E190-E2, que está na Exposição Internacional de Aviação & Aeroespacial da China 2018
Pôster com avião da Embraer E190-E2, que está na Exposição Internacional de Aviação & Aeroespacial da China 2018 - Sputnik Brasil
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O histórico conflito entre Embraer e Bombardier na OMC definirá as regras de um mercado de U$ 300 bilhões (R$ 1,48 trilhão), segundo Volney Gouveia, professor de Ciências Aeronáuticas e autor do livro "A Economia do Transporte Aéreo".

A brasileira Embraer e a canadense Bombardier estão travando uma disputa em torno da aviação regional, segmento no qual as duas fabricantes se destacam. As divergências serão apreciadas pela Organização Mundial do Comércio (OMC) a partir de 4 de novembro e, há poucos dias, os governos brasileiro e canadense comunicaram à OMC que as duas empresas alcançaram um acordo parcial nesta fase do litígio.

O embate entre Bombardier e Embraer acontece desde 1996 e continua nos palcos da OMC. O processo de abertura comercial, endossado pela própria OMC, proporcionou um grande crescimento do setor aeronáutico desde os anos 90 do século passado, na medida em que permitiu a internacionalização de grandes grupos econômicos. Empresas como a Embraer e a Bombardier também se beneficiaram muito com o processo ao ingressar em grandes mercados da aviação.

O outro lado desse fenômeno foi o início de rivalidades entre as fabricantes que disputavam os mesmos mercados, explicou à Sputnik Brasil o gestor e professor do Curso de Ciências Aeronáuticas da Universidade Municipal de São Caetano do Sul e autor do livro "A Economia do Transporte Aéreo", Volney Gouveia.

"É uma batalha que envolve as duas companhias exatamente pelas mesmas razões. Ambas se acusam mutuamente de usarem subterfúgios fiscais na forma de subsídios, o que torna a sua produção e o seu produto mais competitivo no mercado internacional", disse Volney Gouveia.

Um dos primeiros processos movidos pela Bombardier contra a Embraer na OMC, ainda em 1996, questionava os subsídios governamentais recebidos pela empresa brasileira para financiar a sua produção, o que violaria as determinações da organização internacional. Mais precisamente, o artigo 3 do Acordo sobre Subsídios e Medidas Compensatórias (ASMC).

© Adrian Dennis/AFPJatos da Bombardier concorrem com modelos fabricados pela Embraer
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Jatos da Bombardier concorrem com modelos fabricados pela Embraer

O Brasil, na mesma ocasião, também entrou com processo contra a Bombardier junto à OMC, alegando que a empresa canadense teria violado cinco pontos do ASMC, dentro dos quais o financiamento da produção de aeronaves de 70 lugares e subsídios às exportações.

"Nesse processo de acusação que a Embraer entrou contra a Bombardier dois pontos foram julgados procedentes. A própria OMC entendeu que [Canadá] vinha praticando pesados subsídios à Bombardier em particular. E isso, logicamente, levou as duas empresas a terem que buscar uma alternativa mais negociada. Ao mesmo tempo, a acusação que a Bombardier fez contra a Embraer também foi julgada e o entendimento dos painelistas foi de que, de fato, a Embraer estava utilizando de subsídios governamentais via financiamento do BNDES para a produção de jatos", afirmou o entrevistado.

Nesse caso, o argumento da companhia brasileira foi de que o financiamento do BNDES serviria apenas "para neutralizar os riscos com as operações de financiamento internacionais, cujos juros eram muito elevados, em função do risco [do] país [brasileiro]", o que tornava o crédito mais caro. A OMC sugeriu um alinhamento do diferencial de taxa de juros, que foi cumprido pela Embraer.

A Bombardier, por seu lado, cumpriu as determinações da organização internacional quanto aos subsídios de produção, mas manteve os subsídios para as exportações, o que gerou uma nova disputa entre as empresas competidoras. Assim, um acordo definitivo não foi configurado.

"Este processo atual, no qual as empresas estão envolvidas, vem de um processo natural de negociação e é uma tentativa de um acordo setorial sobre créditos à exportação para aeronaves civis", acrescentou o especialista.

Um possível acordo

Para Gouveia, uma solução mais rápida e definitiva para as duas empresas seria a celebração de um acordo mais abrangente para definir uma estratégia de como financiar a venda de suas aeronaves e atuar nos mercados. No entanto, essa opção não parece viável, considerando o histórico da contenda. Portanto, a mediação do acordo, provavelmente, deve envolver, de um modo ou de outro, a OMC.

Nesse contexto, as duas empresas teriam dois caminhos a seguir. Uma das opções seria a via da "regra de decisão", na OMC, por meio da câmara de arbitragem, onde poderiam definir um acordo, considerando a estratégia de mercado, cada qual realizando uma avaliação de risco ou de retorno. A segunda opção seria uma "solução integrativa", também na OMC, que configura uma conciliação das partes com envolvimento de um painel de especialistas, “algo que as empresas já vinham fazendo até então, desde 1996”.

"Na minha avaliação, o caminho que as duas empresas devem seguir, é esse caminho da solução integrativa. É um caminho que vai sinalizar para um acordo entre as duas companhias. Por outro lado, o caminho da regra de decisão me parece que está descartado, exatamente porque nenhuma das duas, na minha avaliação, pelo que tenho acompanhado, vai admitir que, de alguma forma cometeu uma atitude a ponto de colocá-las como empresas que infringiram uma orientação da OMC", explicou o gestor.
© ©Lucas Lacaz Ruiz/FolhapressAviões Embraer Phenom 300 e jato Legacy 600 na no Expo Aero Brasil, em São José dos Campos (SP)
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Aviões Embraer Phenom 300 e jato Legacy 600 na no Expo Aero Brasil, em São José dos Campos (SP)

Futuro pós-pandemia

As perspectivas para os próximos anos do setor aeronáutico não são muito boas. A pandemia da COVID-19 atingiu com força a economia mundial, bem como a indústria aérea, alertou o professor.

"Eu entendo que todas as empresas acabarão perdendo de alguma maneira. Na minha avaliação, o que vai fazer a diferença é exatamente o papel que os governos vão assumir nesse processo", ponderou Volney Gouveia.

Para ele, a fusão da Embraer com a Boeing não aconteceu em razão da pandemia. No entanto, a empresa vem atuando em uma situação de competitividade favorável, pois a Bombardier enfrenta uma série de problemas relacionados à C Series, sua maior linha de produtos.

"Eu entendo que o produto da Embraer continua sendo mais competitivo do que o da própria Bombardier e eu acho que a Embraer tem todas as condições de fazer frente a essa competição e alçar voos sozinha", destacou o professor.

Segundo o especialista, a Embraer tem uma capacidade competitiva maior do que a empresa canadense, considerando os números de cada empresa.

"A Embraer hoje entrega, em média, em torno de 90 a 100 aviões [por ano], contra 40 a 50 da Bombardier. E ela tem uma carteira de pedidos de um pouco mais de 300 aviões, contra 50 ou 60 aviões da Bombardier. Então a Embraer, na minha visão, tem uma capacidade competitiva importante nesse segmento", avaliou Gouveia.

O mercado da aviação regional movimenta valores expressivos. Os 100 aviões que a Embraer entrega por ano representam um faturamento na faixa de U$ 10 bilhões (R$ 49,6 bilhões). Ou seja, em perspectiva, seria um mercado de U$ 200 bilhões (R$ 993 bilhões) por ano apenas em jatos, segundo o especialista. Quando se considera as aeronaves que disputam o mercado com a Bombardier, o mercado se amplia ainda mais, somando U$ 100 bilhões (R$ 496 bilhões) adicionais.

"Esta batalha envolvendo as duas empresas é uma guerra de gigantes, porque estamos falando de um mercado que tem potencial de dobrar de tamanho nos próximos 30 anos. Tem havido um movimento de fortalecimento das pequenas cidades em âmbito mundial e isso tende a aumentar o volume de tráfego entre as cidades menores, o que vai demandar aeronaves de configuração média, e não de configuração alta. A Embraer, nesse sentido, se coloca como um player importante", concluiu o interlocutor da Sputnik Brasil.
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