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Ex-diretor-geral da FAO diz que Brasil descuidou da política alimentar

© Sputnik / Renan LucioJosé Graziano (direita), ex-diretor-geral da FAO, sendo homenageado pelo presidente do Instituto Brasil África, João Bosco Monte, em São Paulo
José Graziano (direita), ex-diretor-geral da FAO, sendo homenageado pelo presidente do Instituto Brasil África, João Bosco Monte, em São Paulo - Sputnik Brasil
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Após anos como exemplo no combate à fome, o Brasil voltou a se preocupar, nos últimos anos, com um possível retorno desse grave problema, estagnando na luta para erradicar a desnutrição. Por quê?

Estima-se que, hoje, mais de 5 milhões de brasileiros ainda passem fome, cinco anos depois de o país deixar o Mapa da Fome das Nações Unidas. 

​Na primeira metade deste século, o Brasil passou por um significativo processo de redução no número de subnutridos, graças a um aumento na oferta de alimentos e na renda dos mais pobres e a projetos sociais patrocinados pelo Estado. 

Um dos programas responsáveis por esse feito foi o Fome Zero, lançado no primeiro ano de mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e que teve como mentor o agrônomo José Graziano, ministro extraordinário de Segurança Alimentar e Combate à Fome entre 2003 e 2004.

Em 2012, o especialista se tornou diretor-geral da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO), cargo no qual permaneceu até o final de julho deste ano. 

Presente no Fórum Brasil África 2019, realizado em São Paulo nesta semana, o ex-diretor da FAO conversou com a Sputnik sobre a atual situação da segurança alimentar no Brasil, apontando os motivos pelos quais autoridades brasileiras e internacionais estão se preocupando com uma eventual volta ao temido Mapa da Fome. 

​"Há uma conjuntura desfavorável, uma crise econômica, o país não está crescendo, não está gerando empregos, as pessoas não têm renda, começam a diminuir os seus produtos, trocam por produtos de pior qualidade, e depois deixam de comer", disse ele à Sputnik Brasil.

Segundo Graziano, paralelamente aos problemas econômicos, foi verificado também no país um certo abandono da política de segurança alimentar, que precisa ser estimulada de maneira permanente, seja "no tempo de vacas magras" ou "no tempo de vagas gordas". 

"O Brasil descuidou da política alimentar, chegou a fechar toda a institucionalidade, desmantelou o Consea [Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional], desmantelou o Ministério de Segurança Alimentar... Isso contribui para que o governo tenha menos atenção sobre o problema da alimentação, da nutrição." 

​Tal descuido, para o ex-ministro, colocou o Brasil, hoje, em um grande paradoxo, uma vez que "cresce a fome e cresce a obesidade, que é outro extremo da fome".

"As duas são formas da má alimentação. Uma por não comer e a outra por comer mal."

Para recuperar a eficiência no combate a esses dois tipos de desnutrição, José Graziano defende que é preciso "recompor essa estrutura de uma política permanente de segurança alimentar".

"Melhor ilustração disso é a Argentina. O maior exportador de alimentos per capita do mundo está passando fome. Dois de cada três argentinos, hoje em dia, têm privação de algum produto que ele não pode consumir."

Brasil, referência em segurança alimentar para a África?

Embora o Brasil ainda passe por dificuldades para lidar com seus próprios problemas, a África, igualmente afetada pela fome, aposta na experiência brasileira para ajudar a reduzir consideravelmente a insegurança alimentar no continente, como explica Fadel Ndiame, assessor sênior da presidência da Aliança por uma Revolução Verde na África (AGRA), instituição gerida por líderes africanos com o objetivo de investir em pequenos produtores a fim de transformar projetos solitários de agricultura em negócios prósperos e de maior impacto social. 

Também em entrevista à Sputnik Brasil, o especialista destaca a importante parceria que o Brasil tem oferecido aos africanos ao longo das últimas décadas, sublinhando que, embora o país seja uma referência mundial em tecnologias agrícolas, a transferência dessa expertise ocorre de maneira paulatina devido, principalmente, a algumas particularidades do continente africano, problema que, segundo ele, pode ser contornado, mas não imediatamente. 

"A realidade é que essas tecnologias precisam ser domesticadas. Não podemos simplesmente pegar a tecnologia do Brasil e aplicar na África. Precisamos de uma cooperação entre centros de inovação brasileiros e africanos. Precisamos de colaboração entre o setor privado do Brasil e o setor privado da África, para que, com o tempo, a experiência do Brasil possa ser absorvida e customizada para o progresso dos países africanos", explica o representante da AGRA.

Ao mesmo tempo em que pontua diferenças, Ndiame lembra que também há muitas semelhanças entre ecossistemas brasileiros e africanos. Mas, para aproveitar todo o potencial dessas semelhanças e das tecnologias desenvolvidas, é preciso haver também mais políticas voltadas para esse fim.

"É por isso que estamos tendo diálogos com ministros, que fazem as políticas, setores privados da África e do Brasil, pesquisadores, estudantes e agricultores. Para criar, gradualmente, um entendimento que nos permitirá tirar total proveito dessa complementariedade", disse ele, acrescentando que o processo está se encaminhando na direção correta. 

© Sputnik / Renan LucioFadel Ndiame, assessor da presidência da Aliança por uma Revolução Verde na África
Ex-diretor-geral da FAO diz que Brasil descuidou da política alimentar - Sputnik Brasil
Fadel Ndiame, assessor da presidência da Aliança por uma Revolução Verde na África

De acordo com o assessor sênior, além do Brasil, há também países africanos assumindo um papel importante na adaptação dessas tecnologias para o setor agrícola, com destaque para Ruanda. Mas ajudas importantes também têm partido de outros parceiros, como China e Índia. Nesse sentido, ele acredita ser totalmente possível haver uma articulação entre esses membros do BRICS para que os ganhos dessas trocas possam se multiplicar e atender aos interesses de um número maior de atores. 

​"Nós sentimos que com o Brasil, por conta da proximidade histórica e da ecologia agrícola, nós temos um cenário onde todos ganham. O Brasil ganhará muito trabalhando mais com a África. Não estou dizendo que vocês não ganham trabalhando com a Europa. Mas as chances são maiores porque a África é muito maior."

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