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Cenário político brasileiro dispensa intervenção das Forças Armadas

© Marcelo Camargo/ Agência BrasilSenado Federal
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Acossado por sucessivos escândalos desde as primeiras horas no cargo, ainda assim o presidente interino Michel Temer trabalha com o prazo de mais dois anos e meio para colocar de pé a pretendida Ponte para o Futuro.

A frágil maioria nas duas Casas do Parlamento, que definirá a permanência, ou não, do atual mandatário, tem sustentado até agora o plano econômico no qual se escora o governo instalado pela via constitucional, de acordo com aqueles deputados, senadores e ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) que apoiam o afastamento da presidente Dilma Rousseff; ou devido ao golpe de Estado em marcha, conforme denunciam parcela da sociedade civil brasileira, parlamentares e movimentos sociais.

O horizonte de eventos, hoje, concentra-se no Senado, onde ocorrerá até agosto deste ano a votação decisiva para que Dilma volte ao exercício pleno do cargo, ou seja cassada e processada, cível e criminalmente. Diante de situação idêntica, em meados do século passado, nas Minas Gerais, o ex-presidente Tancredo Neves ouviu de seu arquirrival político Magalhães Pinto, aliado naquele momento para a instalação do Partido Popular (PP), a frase que ficou célebre no folclore brasileiro:

“Política é como nuvem. Você olha e ela está de um jeito. Olha de novo e ela já mudou”.

Magalhães Pinto cunhou a máxima enquanto as duas principais tendências da oligarquia mineira, então unificadas, articulavam a volta dos militares à caserna sem, no entanto, entregar o poder aos partidos da esquerda ou ameaçar qualquer interesse do capital internacional. Aquelas raposas políticas costuravam o pano de fundo dos acontecimentos nos quais, meio século depois, desenvolve-se a batalha que definirá os destinos das próximas gerações. A mesma rede do tempo que imobiliza a presidente Dilma Rousseff ainda aprisiona, em seus nós de chumbo, os ecos do discurso histórico pronunciado naquele outono de 1964, no átrio da Central do Brasil — Centro do Rio de Janeiro —, no qual o presidente Jango Goulart anunciou as reformas de base. Dias depois, foi cassado por uma manobra no Parlamento.

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O fio da meada para a compreensão da trama impressa, agora, no noticiário dos mesmos grupos de comunicação beneficiados, à época, pela ditadura militar, foi tecido nas décadas de 50 e 60. Trata-se deste que revive a velha prática do alinhamento aos interesses de Washington e da City londrina. Para alcançar o objetivo neoliberal de restringir direitos e vender ativos públicos, removem da Presidência da República a pessoa eleita, democraticamente, pela maioria dos eleitores. Em 1964, não importava se Jango estivesse, ou não, em solo nacional para que fosse declarada a vacância do cargo e a ditadura que se seguiu por 21 anos. Hoje, não parece fazer qualquer diferença se Dilma cometeu, ou não, algum tipo de crime fiscal.

Embora o comunismo, na forma como se estruturou na antiga União Soviética, tenha deixado de existir faz tempo, ainda é apresentado como “a ameaça vermelha” e serve de argumento para embalar a retórica cataclísmica de ódio e segregação junto aos setores alinhados ao capitalismo radical. Amplificado nos meios conservadores de comunicação, o discurso nacional-socialista se traveste na defesa apaixonada do ideário social norte-americano, pela maioria do Parlamento brasileiro. Enquanto isso, o Executivo trata de retroceder nas conquistas sociais, adquiridas ao longo das últimas décadas após a luta aguerrida de milhões de brasileiros.

O alinhamento de Temer aos segmentos mais reacionários da sociedade está claro para o oficial graduado e mestre do Instituto Militar de Engenharia (IME) João Paulo Botelho, condecorado com a Medalha Marechal Hermes, do Exército Brasileiro: “Nos campos político e econômico, o governo interino tende a se aproximar das ideologias norte-americana e europeia”.

Para João Paulo Botelho, que exerce atualmente o posto de consultor legislativo do Senado nas áreas de Direito Internacional Público, Relações Internacionais, Defesa Nacional e Segurança Pública, com pareceres destinados à Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional, a saturação da paciência popular em relação aos episódios investigados na Operação Lava Jato, da Polícia Federal (PF), define a posição das peças no tabuleiro da geopolítica brasileira.

“A governabilidade é um grande desafio, mas não é um pesadelo, é um sonho. Nosso povo espera que seus governantes sejam íntegros e trabalhem em prol da população, principalmente dos mais necessitados. Assim, um governo precisa aliar competência e honestidade. Em países como o Brasil, portanto, o desafio envolve muito mais as forças políticas e econômicas do que as militares”, acrescenta o engenheiro militar que serviu na Fábrica de Material de Comunicações e Eletrônica da Indústria de Material Bélico do Brasil (IMBEL-FMCE).

Sem armas

Sob o ponto de vista do oficial condecorado que, atualmente, embasa os discursos do líder do Governo no Senado, Aloysio Nunes Ferreira (PSDB-SP), e do senador Valdir Raupp (PMDB-RO), presidente e vice da Comissão de Defesa na Casa, o jogo desta vez está diferente daquela última partida, no 1º de Abril de 64. Nesta mão, o discurso político se dissocia do argumento contundente da espada. Aquarteladas, desde que o general João Baptista de Oliveira Figueiredo passou a condução do governo a Tancredo Neves, as Forças Armadas tendem a permanecer distantes do centro do tabuleiro, reservado nessa fase à disputa pela maioria no Parlamento.

“Não vislumbro perspectivas de intromissão das Forças Armadas na política. Em contrapartida, as Forças Armadas não devem sofrer ingerências políticas. É possível que, exercendo sua liberdade de expressão, algum militar, isoladamente, manifeste sua opinião pessoal, sem que isso represente a visão institucional das Forças Armadas, as quais vêm desempenhando um importante papel social, às vezes silencioso, como no auxílio às populações carentes e na construção de rodovias, às vezes reconhecido, como no combate ao mosquito Aedes aegypti e na segurança de grandes eventos”, assinala João Pedro Botelho.

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O consenso dos comandantes militares quanto ao papel das Forças Armadas, no Brasil, de resumir a atuação da tropa às ações que compactuam com os princípios constitucionais, cristalizou-se na entrevista do general Leônidas Pires Gonçalves, concedida ao cineasta Silvio Tendler no documentário ‘A travessia’. Último elo na transição entre o regime militar e a normalidade democrática pretendida, o ministro do Exército no gabinete do presidente José Sarney (1985-90) — vice que ascendeu ao Palácio do Planalto após a morte do presidente Tancredo Neves, anunciada no Dia de Tiradentes, em 1985 — Pires Gonçalves fez a contrição ao admitir, de forma singela, que seus companheiros de arma não suportavam mais o desprezo da nação, diante tamanha violência imposta pela ditadura. O Exército já não aguentava mais ser “desamado pelo povo brasileiro”, desabafou o general.

Se o silêncio obsequioso das baionetas demonstra correção na assertiva de Pires Gonçalves, morto no ano passado, pesa sobre o corpo diplomático brasileiro o clima de velório pela democracia, finada na noite em que o Senado afastou a presidente da República. A distância segura que a diplomacia mundial vem mantendo quanto ao rumo do país — equilibrados os pratos das relações econômicas imediatas, de um lado, e do outro o tempo necessário até a conclusão do processo em curso — explica-se no estado de letargia em que se encontra o Itamaraty.

Diplomacia

Mesmo escorado no alinhamento direto com Washington, o chanceler do governo interino permanece em terra, sem o combustível da credibilidade necessário para alçar voo nos espaços da representação internacional. O número crescente de manifestações no exterior contra a quebra nos princípios constitucionais, conforme a presidente afastada tem repetido à exaustão, impede que o chanceler nomeado, senador José Serra (PMDB-SP), seja recebido com a sobriedade característica dos ambientes reservados aos negócios estrangeiros. Por onde quer que vá, o alarido dos protestos o acompanha.

A medir pela imersão na sequência de escândalos que traga, um depois o outro, os integrantes mais proeminentes de sua equipe de governo, porém, o desempenho do ministro das Relações Exteriores não figura entre os maiores pesadelos da gestão Temer. Na visão do consultor João Botelho, junto ao foro adequado na Casa Alta do Congresso, resta espaço suficiente, ainda que breve, para que o governo em curso consiga evitar o isolamento mundial.

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“As críticas ao impeachment vêm se limitando a matérias jornalísticas e a manifestações de Cuba, Bolívia, Equador, Venezuela, Nicarágua, El Salvador, Unasul e OEA (países ou entidades mais alinhados com o governo anterior). Não houve, por enquanto, um repúdio maciço da comunidade internacional. Por isso, ainda não vejo um sinal de alerta para nossa Defesa”, assinala Botelho.

Ainda que fatores como os mecanismos de Defesa, intactos, e o prazo de mais alguns meses na cena internacional concedam ao atual mandatário o halo da legalidade (que seja apenas nos discursos palacianos), o viés macroeconômico segue como a pedra de cantaria que falta no arco da ponte. Sem o universo conspirar pela permanência dos atuais inquilinos do Palácio do Planalto, e os santos permitirem a retomada do pleno emprego, da inflação civilizada e dos juros mansos, em tempo recorde, os dias que ainda restam até o desenlace, no Senado, serão curtos como no inverno que se aproxima.

Tudo isso, sem contar as surpresas que a República de Curitiba guarda, no embornal do juiz Sergio Moro.

Gilberto de Souza é jornalista e editor-chefe do diário Correio do Brasil.

A opinião do Autor não necessariamente coincide com a opinião da Redação.

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