Opinião: Panamá ainda sofre efeitos da invasão dos EUA em 1989

ENTREVISTA COM MARCO ANTONIO GANDASEGUI
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O Panamá vive dias de extrema agitação política e institucional. Manifestantes estão indo às ruas pedir a convocação de uma Assembleia Constituinte, com o objetivo de mudar a Constituição para reformular a estrutura de funcionamento da mais alta Corte de Justiça do país.

Sobre este e outros assuntos Sputnik Brasil ouviu o sociólogo e jornalista Marco A. Gandásegui, Hijo, professor da Universidade do Panamá, pesquisador do CELA – Centro de Estudios Latinoamericanos Justo Arosemena e diretor-editor da revista Tareas. Ele afirma que a crise da Corte Suprema de Justiça reflete “uma profunda decomposição do atual sistema político panamenho, que se estruturou depois da invasão militar dos Estados Unidos ao Panamá em 1989”.

Sputnik: É somente o desejo de reformular a estrutura de funcionamento da Corte Suprema de Justiça que está levando o povo às ruas para pedir uma nova Constituição para o Panamá?

Marco A. Gandásegui, Hijo: O governo militar panamenho (1968-1989), que sustentava uma precária aliança entre uma burguesia industrial e setores da classe operária organizada, manteve-se no poder em razão da ocupação militar do Panamá pelos Estados Unidos. O regime militar panamenho foi depois substituído por um regime oligárquico com os partidos políticos tradicionais ocupando o Gabinete presidencial, as cadeiras da Assembleia dos Deputados e as magistraturas da Corte Suprema de Justiça. Durante os últimos 25 anos, aplicaram-se políticas neoliberais e cresceu a influência do capital financeiro. A chamada “burguesia nacional” desmoronou e a classe operária perdeu a influência alcançada em meados do século XX.

A iniciativa pela convocação de uma Assembleia Constituinte no Panamá remonta à década de 1980. Naquela época, era um grito das forças políticas antimilitares e antipopulistas. Nos últimos 25 anos, aumentaram e se estenderam a outros setores da sociedade os protestos contra a Constituição de 1972. Na atualidade, a Carta Magna do Panamá mais parece uma colcha de retalhos devido às inúmeras reformas pelas quais já passou.

Em 2014, o atual presidente da República, Juan Carlos Varela, prometeu a convocação de uma Assembleia Constituinte. Em 2015, deu um passo atrás e anunciou que aquele não era o melhor momento para tornar realidade a promessa do ano anterior. Obviamente, a convocação de uma Assembleia Constituinte o deixaria e a seu partido, Panamenhista, em extrema minoria, convertendo-se em títere dos partidos de oposição e dos seus interesses econômicos.

Em 2015, o Governo do Presidente Varela promoveu investigações contra os colaboradores do seu antecessor, Ricardo Martinelli, pelos abusos de corrupção e pelo assalto ao Tesouro Nacional. O mesmo Ricardo Martinelli está sendo investigado, atualmente, pela Corte Suprema de Justiça. Este detalhe complica o cenário criado pelos escândalos surgidos dentro da Corte por parte dos magistrados que se envolveram numa luta pelo poder.

A conjuntura fez com que setores distintos da sociedade panamenha exijam a convocação de uma Assembleia Constituinte. Inclusive, há quem defenda que, se o Presidente Varela está dificultando esta convocação, que ele seja derrubado do poder. Estes são os mais radicais.

Em síntese, o problema, no fundo, não é a Corte Suprema de Justiça nem a convocação de uma Assembleia Constituinte. Trata-se, na verdade, da decomposição extrema do atual sistema político panamenho.

S: As informações que nos chegam são de que o Conselho Nacional de Advogados do Panamá, órgão equivalente ao Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, está liderando este movimento de reformulação da Corte Suprema de Justiça mediante a convocação imediata de uma Assembleia Constituinte, encarregada de redigir uma nova Constituição para o Panamá. O presidente do Conselho Nacional dos Advogados, José Alberto Álvarez, propõe a criação do Conselho Nacional da Magistratura, órgão a ser encarregado de nomear os integrantes da Corte Suprema de Justiça, atribuição que atualmente está nas mãos do presidente da República. O que lhe parece esta proposta?

MAGH: Todos os setores fazem propostas em torno do conteúdo da nova Constituição do Panamá. A proposta do Colégio Nacional dos Advogados se presta, melhor, a uma reforma muito pontual sobre a forma de eleger os magistrados da Corte Suprema de Justiça. Outros mencionam a necessidade de reformar outros aspectos da Constituição. No entanto, o que faz falta é definir que país querem os panamenhos para só então se discutir que ordenamento constitucional é o mais adequado para atingir este objetivo.

Há que considerar também que o Panamá é um país muito dividido e que existem vários projetos de país. Atualmente, o projeto predominante é o que considera o Panamá como um país “pro mundo beneficio”, ou seja, em benefício do mundo. O povo, no entanto, rechaça esta noção que quase sempre prevaleceu nos últimos 200 anos. Há uma maioria que ainda não está suficientemente organizada para impor um projeto de nação, inclusivo e democrático, que ponha fim ao regime oligarca, às suas políticas neoliberais e à devastadora corrupção.

S: De acordo com os movimentos populares, muitas coisas precisam ser mudadas no Panamá, um país que, segundo estas correntes, há muitos anos é dominado por uma oligarquia que se disfarça em democracia. O que precisa mudar no Panamá? 

MAGH: As políticas neoliberais impostas ao Panamá debilitaram a classe operária, os trabalhadores e o povo em geral. Em 1999, depois de uma luta de décadas, o país se encarregou da administração do Canal do Panamá. Passar hoje pelo Canal representa US$ 2,5 bilhões anuais para a classe dominante, a oligarquia, dando-lhe muito poder para corromper o tecido social do país. Ao invés de aplicar estes recursos no setor produtivo para gerar riqueza e uma classe trabalhadora, os administradores investem estes recursos em atividades especulativas que só beneficiam uma pequena elite de empresários que, junto com os administradores do Canal, monopolizam o poder político no país. O povo panamenho tem de seguir lutando pela soberania que expulsou os Estados Unidos do Panamá. Nesta etapa, a luta do povo consiste em expulsar os administradores de suas posições hegemônicas e recuperar a posição geográfica do país e o próprio Canal para colocá-lo a serviço de um plano de desenvolvimento nacional.   

S: O Panamá é ou não uma democracia?

MAGH: É uma democracia restrita e oligarca. Em meu livro “A Democracia no Panamá”, escrito e publicado em 1998, quando o país era ocupado militarmente pelos Estados Unidos, falamos de uma democracia restrita. Na atualidade, os Estados Unidos continuam presentes política e militarmente, com uma oligarquia governante. O Panamá tem uma democracia restrita e oligárquica.

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