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Brasil procura harmonizar diferenças internas do Mercosul

ENTREVISTA COM RICARDO CABRAL
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A reunião de Cúpula do Mercosul, realizada nesta segunda-feira, 21, em Assunção, mostrou, entre outras tendências, que as diferenças ideológicas entre os membros do grupo poderão se acentuar. Ricardo Cabral, colaborador da Escola de Guerra Naval, comenta para a Sputnik Brasil.

Durante a abertura da Cúpula, a chanceler venezuelana, Delcy Rodriguez, que representou Nicolás Maduro, fez críticas frontais a Mauricio Macri, quem acusou da apoio às forças de oposição violenta na Venezuela. O presidente argentino não reagiu às acusações.

A Cúpula foi marcada também pela decisão de fechar o acordo com a União Europeia no primeiro trimestre de 2016. Esta foi a posição defendida pelos presidentes do Paraguai e da Argentina, Horacio Cartes e Mauricio Macri.

Dilma Rousseff também referendou esta posição, com a ressalva de que os países do Mercosul estão prontos para firmar esse acordo, mas a União Europeia deve se conscientizar de que precisa derrubar algumas barreiras fiscais para que a aproximação entre os blocos europeu e sul-americano possa se estreitar.

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Horacio Cartes também defendeu a necessidade de uma reunião de ministros do Exterior do Mercosul com os seus colegas dos países da Aliança Pacífico (México, Colômbia, Peru e Chile), para discutir acordos bilaterais entre as duas organizações.

O encontro desta segunda-feira gerou nos analistas políticos e econômicos a convicção de que a hegemonia ideológica que vinha dominando o Mercosul não existe mais. Esta é a opinião também do professor de Relações Internacionais Ricardo Cabral, colaborador da Escola de Guerra Naval.

Para Cabral, os governantes dos países sul-americanos devem se convencer de que questões ideológicas não podem sobrepujar as de ordem econômica, fundamentais para a sobrevivência e fortalecimento de suas nações.

Sputnik: O Mercosul está mudando?

Ricardo Cabral: Acredito que sim. Está havendo uma virada ideológica. Isso não foi uma coisa que apareceu de repente. Nós vimos a dificuldade da Michelle Bachelet assumir no Chile, apesar de ser favorita, e os percalços que ela sofreu neste início. No caso específico do Mercosul, acho que o ponto de virada está não na eleição do governo conservador no Paraguai, que é fruto das próprias idiossincrasias paraguaias e dos movimentos sociais de lá, mas a eleição do Mauricio Macri na Argentina, sim, pois mostra um certo esgotamento do modelo de desenvolvimento, de fazer política, que era muito comum aos principais líderes do Mercosul.

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S: O senhor se refere ao fato de a ideologia sobrepujar os aspectos pragmáticos da economia?

RC: Sim, de mercado. Essa economia de mercado que hoje leva a governos populares teria que fazer concessões ao mercado para se manter em uma expectativa de crescimento ou para conseguir atrair capitais, o investimento externo direto hoje tão fundamental. Eu acredito que a aproximação de Macri com relação ao Brasil é outro ponto de virada que Cristina Kirchner, apesar da proximidade ideológica, preferiu contatos mais intensos e estreitos com a China, por exemplo, em detrimento do Brasil. Um projeto caro ao Governo Lula não saiu do papel no kirchnerismo, que foi a integração das cadeias produtivas entre Brasil e Argentina. Ou seja, a confluência ideológica não resultou num melhor nível de relacionamento entre os dois países. Macri, nesse ponto, está sendo pragmático. Em termos políticos, estamos vendo uma ofensiva clara contra o regime de Maduro na Venezuela, por falhas do próprio regime e questões internas, apesar de haver um segmento da oposição que é um segmento golpista, que pretende, tão logo assuma a nova Assembleia, encurtar ou interromper o mandato de Nicolás Maduro.

S: E as questões políticas?

RC: Estamos vendo outra questão que o Mercosul não consegue superar: até onde se pode ir sem configurar uma intervenção desses governos num país vizinho. Este é um problema que terá que ser resolvido, porque não se fará nada na região se o Brasil não tomar a frente ou pelo menos o Brasil não for parceiro. A Argentina e o Paraguai não têm força suficiente para derrotar, no jogo político, Chile, Brasil e Uruguai, que se posicionaram. Ou seja, uma intervenção externa nos assuntos internos venezuelanos, por exemplo, não ocorreria sem o apoio dos três. Nós tínhamos um grande líder, que era o Presidente Lula, que conseguia promover um discurso mais harmonioso. Eu acredito que as dissonâncias entre Brasil e Argentina tendem a aumentar, com o Governo Dilma se voltando mais para a esquerda, apesar do pouco interesse que a presidente mostra nas questões de política externa.

S: Também se destaca que já não existe mais aquela afinidade ideológica no Mercosul. Por quê? É a mudança de perfil dos governantes?

RC: Eu acho que é a própria questão do esgotamento das possibilidades de um modelo de desenvolvimentismo que, sejamos francos, só funcionou com o alto preço das commodities, que é a grande pauta da exportação da região. Ela permitiu fazer uma certa distribuição de renda, políticas sociais inclusivas, uma política econômica bastante interessante, com conteúdo nacional. Eu acho extremamente interessante quando alguns liberais falam “a Europa não faz isso”. A Europa faz muito isso, tanto assim que o acordo Mercosul-União Europeia é travado não só na questão agrícola mas de conteúdo industrial que eles têm. E, com a entrada do Macri, nós teremos que ver o que ele pretende.

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S: Uma das bandeiras de Macri é fazer a reaproximação entre Mercosul e União Europeia.

RC: Mas a que ponto? A que custo? Ele tem uma pauta agrícola bem interessante, mas não falou da pauta industrial, e é isso que está acontecendo no Mercosul. Nós esgotamos o ciclo das commodities, esses governos estão assolados por crises sociais intensas porque não se consolidaram as transformações econômicas, não houve tempo para isso, foi um ciclo muito curto, 10, 12 anos, e isso não permitiu que se retomassem as questões mais pulsantes da economia. Vemos um planejamento muito interessante, trabalha a infraestrutura, melhora as condições de competitividade internamente, para depois promover uma integração maior no mercado internacional. Os Estados latino-americanos não tiveram tempo para isso. E a segunda questão é que se tentou fazer duas políticas ao mesmo tempo: uma de integração econômica, procurando, através das cadeias produtivas, aumentar a produtividade e distribuir renda, e ao mesmo tempo inserir-se no mercado de maneira competitiva, uma tarefa hercúlea para tão pouco tempo.

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