Último ás soviético da Guerra da Coreia fala de operações secretas contra a Força Aérea dos EUA

© AP Photo / STANGENBERGCaça soviético MiG-15 decola da base aérea de Finsterwalde na Alemanha Oriental, 27 de agosto de 1956
Caça soviético MiG-15 decola da base aérea de Finsterwalde na Alemanha Oriental, 27 de agosto de 1956 - Sputnik Brasil
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Com 97 anos de idade, o último ás soviético sobrevivente da Guerra da Coreia revela operações clandestinas contra a Força Aérea dos EUA.

Durante quase 40 anos, o envolvimento direto soviético na guerra aérea sobre a Coreia em 1950-1953 permaneceu um segredo de Estado bem guardado, com os planejadores norte-americanos especulando durante muito tempo sobre como as jovens e relativamente inexperientes forças aéreas chinesas e norte-coreanas conseguiram abater tantos aviões pertencentes à Força Aérea dos EUA.

No sábado (15), a Rússia comemorou solenemente o Dia dos Combatentes Internacionalistas, um dia festivo dedicado aos milhares de soldados soviéticos que serviram em conflitos ao redor do mundo durante a Guerra Fria.

Em honra dessa ocasião, o jornalista Andrei Kots sentou-se com o aposentado major-general Sergei Kramarenko, um ás condecorado da Força Aérea soviética que serviu na Segunda Guerra Mundial e recebeu o título de Herói da União Soviética pelas suas façanhas na Coreia, e que, aos 97 anos de idade, é o último ás soviético vivo da Guerra da Coreia.

Apesar da sua idade, o veterano tinha a mente tão lúcida como sempre, e ele se recordou que foi a experiência que adquiriu durante a Segunda Guerra Mundial que o preparou para a Coreia. Entre 1942 e 1945 ele pilotou caças LaGG-3 e La-5, derrubando três aviões da Luftwaffe e ajudando na destruição de mais 13.

"No final da guerra, superávamos os alemães em termos de táticas de combate e destreza de pilotagem. Entramos no conflito coreano equipados com esse conhecimento, e isso nos permitiu derrotar com sucesso os americanos", disse Kramarenko.

Sergei Kramarenko durante a Segunda Guerra Mundial

"Os pilotos norte-americanos pareciam-me mais fracos do que os ases alemães. Os alemães tinham mais vontade de entrar em combate, enquanto os norte-americanos tentavam evitar a batalha. Na Coreia, provamos a eles que pelo menos não éramos inferiores a eles em termos de treinamento e maestria, e até mesmo os superávamos em termos dos nossos aviões", acrescentou o piloto.

© AP PhotoTropas dos EUA conduzem uma fila de norte-coreanos capturados em 24 de outubro de 1950
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Tropas dos EUA conduzem uma fila de norte-coreanos capturados em 24 de outubro de 1950

Kramarenko disse que entrar na cabine do novo avião de caça MiG-15 após pilotar caças com motores a pistão na Segunda Guerra Mundial foi surpreendentemente fácil. O jato provou responder bem, ser capaz de acelerar até 1.000 km por hora e subir a alturas de até 15 km. Esta última capacidade provou ser superior à do F-86 Sabre norte-americano, e os pilotos soviéticos muitas vezes usariam isso em sua vantagem para atacar o inimigo a partir de cima.

Em novembro de 1950, quando a China entrou na guerra, Kramarenko e outros 31 pilotos do 176º Regimento de Caças de Aviação da Guarda foram discretamente enviados ao país para treinar pilotos da Força Aérea Popular de Libertação.

A natureza clandestina de suas operações proibia-os de revelar quaisquer detalhes sobre a natureza de suas atividades em cartas aos seus entes queridos. Enquanto isso, os pilotos procuraram juntar os poucos detalhes que sabiam sobre o Sabre. Souberam que ele era mais manobrável do que o MiG-15, mas com um teto operacional inferior.

Batismo de fogo

O envolvimento direto e limitado da Força Aérea soviética no conflito começou na primavera de 1951, com Kramarenko confirmando que sua primeira missão teve lugar em 1º de abril.

© AP PhotoUm posto de observação durante a Guerra da Coreia
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Um posto de observação durante a Guerra da Coreia

"Nós nos esforçamos para interceptar um avião de reconhecimento com uma escolta de caças", lembrou Kramarenko. "Subimos, voando ao longo do rio Yalu, no norte. Depois de subir para 7.000 metros, vimos os aviões inimigos diretamente à frente. Na frente havia um avião de reconhecimento bimotor, atrás dele havia oito caças, duas esquadrilhas. Nós tínhamos uma esquadrilha de quatro MiGs".

"Eu dei a ordem para atacar. Meu ala Ivan Lazutin se aproximou do avião de reconhecimento por baixo para tentar o destruir. De repente, uma das esquadrilhas de Sabres entrou por cima dele. 'Rola para a direita!', gritei. Ele virou rapidamente e os aviões inimigos perseguiram-no."

O veterano conta então o desfecho do episódio.

"Eu apontei ao mais atrasado do grupo e disparei por trás. O avião caiu no mar. Os outros subiram imediatamente. O meu outro ala, Sergei Rodionov, foi atacado pela outra esquadrilha de Sabres. Ordenei-lhe que guinasse para a direita, ele virou e eu consegui atingir outro avião inimigo. Depois disso, os Sabres e o avião de reconhecimento deixaram a batalha e fugiram."

'Quinta-Feira Negra'

Kramarenko foi um dos pilotos soviéticos envolvidos na mortífera escaramuça de 12 de abril de 1951, que os pilotos da Força Aérea dos EUA chamariam mais tarde de "Quinta-Feira Negra". Naquele dia, 30 aeronaves MiG-15 atacaram várias dezenas de bombardeiros B-29 escoltados por cerca de 100 caças F-80 e F-84, derrubando vários B-29 sem sofrer uma única perda.

O comando norte-americano ficou tão abalado com o evento que suspendeu todas as operações de bombardeio sobre a Coreia por três meses e terminou de vez com os ataques diurnos.

"Naquela batalha, nós inutilizamos 25 dos 48 [aviões] B-29 quando eles voavam para bombardear a ponte sobre o rio Yalu", lembrou o veterano, referindo-se à ponte que liga a Coreia do Norte à China.

"Ainda me lembro da imagem na minha mente: uma armada de aviões voando em formação de combate, linda, como durante um desfile. De repente, descemos por cima deles. Eu abro fogo sobre um dos bombardeiros e imediatamente começa a sair fumo branco. Eu tinha danificado o tanque de combustível.

"E depois chegaram os meus camaradas. Eu diria que nós batemos muito bem os americanos. Todos os nossos caças voltaram ao aeródromo, e a Força Aérea dos EUA declarou um período de luto de uma semana, e não conseguiu coragem para enviar bombardeiros para a área por muito tempo", lembrou Kramarenko.

Batalha com ás norte-americano

Durante a campanha, Kramarenko lutou diretamente com ases americanos em várias ocasiões e lembrou um encontro que teve com Glenn Eagleston, comandante do 334º esquadrão da Força Aérea dos EUA e veterano da Segunda Guerra Mundial.

© AFP 2023 / STR Foto de arquivo: soldado americano passeia pelas ruínas na cidade norte-coreana de Hamhung
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Foto de arquivo: soldado americano passeia pelas ruínas na cidade norte-coreana de Hamhung

"Eagleston voou em uma formação de três aviões", recordou Kramarenko. "A dupla dava-lhe cobertura enquanto ele atacava de cima. Ele falhou e mergulhou por baixo, subindo seu avião depois de mergulhar 100 metros abaixo de mim. Imediatamente desviei para a esquerda e rolei, mergulhando.

"Então saí do mergulho e ele abriu fogo sobre mim novamente. Nós 'dançamos' com este ás por um bom tempo. Finalmente consegui ficar por cima dele e comecei a atirar. Aí começaram a cair pedaços de seu Sabre e ele começou descendo, com seus companheiros de asa voando atrás de mim", conta o ás soviético.

"Eu rolei novamente e mergulhei em direção à represa onde os canhões antiaéreos norte-coreanos estavam posicionados. Olhei para trás, os dois aviões estavam me seguindo a uma distância de 800 metros. De repente, projéteis antiaéreos começaram a explodir à minha frente. Mais vale ser morto por um dos nossos, pensei eu", recorda.

"Fui direto ao fogo, mas tive sorte, eles não acertaram", lembra Sergei Kramarenko. "Os Sabres pararam sua perseguição e partiram para casa. No final, Eagleston posou o avião dele em um aeródromo dos EUA. Ferido, ele foi mandado de volta para os Estados Unidos e não lutou mais."

Quase espetado com forquilha

Em 17 de Janeiro de 1952, a sorte de Kramarenko parecia ter se esgotado. Em um combate contra um par de Sabres, o piloto não reparou em outros aviões norte-americanos voando acima, com os caças mergulhando e abrindo fogo, danificando criticamente seu MiG. Perdendo o controle, ele saltou e abriu seu paraquedas, só para ter uma surpresa desagradável.

"Estou pendurado no paraquedas, e de repente o caça americano mergulha e abre fogo sobre mim. Ele está disparando de longe e as balas voam por baixo de mim. Levanto as minhas pernas automaticamente. A cerca de 400-500 metros, ele vira e se aproxima para mais uma rodada. Mas eu tive sorte, fui apanhado por uma nuvem e o americano perdeu-me", lembra ele o episódio.

"Descendo mais, notei uma floresta. À direita havia uma clareira. Puxei o arnês, dei a volta e caí sobre um arbusto. Dei uma olhada em mim mesmo: não, não há sangue. Depois toquei no meu pescoço e senti um grande alto. Devo ter batido em alguma coisa. Eu peguei meu paraquedas, alcancei uma estrada, indo em direção ao oeste."

"De repente, na minha frente eu vejo uma carroça saindo da floresta, era um coreano juntando madeira. Vendo-me, ele agarrou na sua forquilha, pensando que eu era americano. Eu disse-lhe 'Kim Il Sung – ho', 'Stalin – ho', 'ho' significa 'bom' em coreano", expõe o piloto.

"Percebendo que eu era um dos seus, ele me colocou em sua carroça e me levou para seu povoado. Deram-me comida e deitaram-me para dormir no chão. De manhã veio um veículo e me peqou, levando-me para o aeródromo. Foi o meu último voo antes de regressar à URSS", recordou o evento.

© AP Photo / Max DesforUma ponte sobre o rio Songchon explodindo durante um ataque das Nações Unidas
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Uma ponte sobre o rio Songchon explodindo durante um ataque das Nações Unidas

De acordo com Kramarenko, o incidente com o piloto da Força Aérea dos EUA que disparou enquanto ele estava suspenso do paraquedas não foi incomum. Ele perdeu um camarada e viu outro ferido desta maneira.

Resultados do piloto

No total, o 176º Regimento de Caças da Guarda perdeu 8 pilotos e 12 aeronaves. Ao mesmo tempo, eles destruíram cerca de 50 bombardeiros, excluindo os caças. De acordo com Kramarenko, ele abateu pessoalmente 21 aviões inimigos, mas foi reconhecido por apenas 13 deles, já que os restantes caíram no mar. O veterano acredita que o desempenho dos pilotos soviéticos na Coreia ajudou a evitar a Terceira Guerra Mundial.

"Os americanos planejavam lançar 300 bombas atômicas sobre a URSS", insistiu ele. "Mas na Coreia provamos-lhes que seria melhor para os B-29 não enfiarem o nariz no nosso território. Depois que neutralizamos 25 de 48 bombardeiros em um único voo, os EUA abandonaram sua estratégia de bombardear o território soviético", disse ele.

Kramarenko se aposentou da Força Aérea soviética em 1981, tendo servido como comandante de regimentos e divisões de caças e como conselheiro de forças aéreas amigas no exterior. Em fevereiro de 1979, ele se tornou vice-chefe do estado-maior do 23º Exército Aéreo.

Ele voou pela última vez em 1982. "Hoje, é claro, já não posso voar. Invejo os jovens que levam seus aviões para o céu. Os aviões de combate modernos são grandes peças de equipamento, poderosos, bem armados. Deve ser bom 'cortar através das nuvens' [...] Eu ainda sonho com o céu", disse ele.

Detalhes da guerra aérea sobre a Coreia

Os detalhes do conflito entre os MiG e os Sabre na Guerra da Coreia continuam sendo debatidos até hoje, com historiadores norte-americanos estimando que um total de 224 Sabres foram perdidos durante a guerra, em comparação com 566 MiG-15 (com a maioria destes últimos pilotados por pilotos chineses e norte-coreanos). No entanto, as estimativas russas reclamam um total de 1.106 vitórias aéreas e 335 aviões MiG perdidos por todas as razões, incluindo missões não-militares.

A Guerra da Coreia provou ser o início do forte poder aéreo como doutrina dos militares norte-americanos após a Segunda Guerra Mundial. Durante a guerra, estima-se que os bombardeamentos de saturação dos Aliados tenham destruído até três quartos dos centros populacionais da Coreia do Norte.

No total, os EUA lançaram na península 635.000 toneladas de bombas, incluindo 32.000 toneladas de napalm, o que é mais do que a tonelagem total de bombas lançadas sobre alvos japoneses durante toda a Campanha do Pacífico dos EUA na Segunda Guerra Mundial.

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