Venezuela, Afeganistão, Nicarágua: como eram as guerras não 'declaradas' da CIA

© AP Photo / Carolyn KasterEmblema da CIA em sua sede em Langley, Virgínia, EUA
Emblema da CIA em sua sede em Langley, Virgínia, EUA - Sputnik Brasil
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Os EUA têm há décadas uma história de envolvimento em guerras não-declaradas, usando organizações privadas para derrubar governos no exterior.

A participação de soldados norte-americanos na incursão marítima na Venezuela lembra outras operações que a CIA financiou, armou e treinou para desestabilizar outros governos no passado, em um período que vai desde os Contras da Nicarágua até os atuais mercenários da Silvercorp.

A prisão de dois cidadãos norte-americanos após a fracassada incursão marítima na costa da Venezuela, em 3 de maio, voltou a colocar a questão da estratégia norte-americana de apoiar não oficialmente, ou através de empresas militares privadas, a formação e treinamento de guerrilheiros ou grupos armados com mercenários para derrubar governos latino-americanos.

Nos anos 80, os Contras, como eram conhecidos os contrarrevolucionários ou Resistência Nicaraguense, procuraram derrubar o governo revolucionário da Frente Sandinista de Libertação Nacional (FSLN), que havia chegado ao poder após a revolução de 1979 na Nicarágua.

Em seus esforços para derrubar o governo sandinista, os Contras realizaram mais de 1.000 ataques terroristas entre 1980 e 1991. Eles eram conhecidos por terem armas muito sofisticadas para um grupo guerrilheiro, o que levantava suspeitas de serem fortemente financiados.

Utilizavam espingardas de assalto e metralhadoras de origem americana em suas operações. Até usavam com sucesso mísseis antiaéreos Red Eye fabricados nos EUA, tendo derrubado vários helicópteros sandinistas.

Revelações diretas

Um ex-membro dos Contras, Oscar Sobalvarro, conhecido como comandante Rubén, reconheceu ele próprio em entrevista ao jornal nicaraguense La Prensa que o governo norte-americano lhes forneceu 270 mísseis Red Eye para combater os helicópteros e aviões que a Força Aérea Sandinista havia importado da União Soviética. O ex-revolucionário admitiu que a entrega dos mísseis pelo governo dos EUA foi feita em "operações secretas".

Como parte de seu apoio aos Contras, a CIA foi responsável por minar vários rios e portos da Nicarágua. Os contras também sabiam como torturar e executar camponeses suspeitos de serem sandinistas.

© AP Photo / Michael StravatoRebeldes Contra na Nicarágua
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Rebeldes Contra na Nicarágua

Muitas dessas técnicas haviam sido treinadas meses antes em instalações militares na Califórnia e na Flórida, EUA, quando as operações antinicaraguenses começaram a partir de Washington.

O apoio dos EUA aos terroristas nicaraguenses foi finalmente demonstrado em 1986, quando o Exército Popular Sandinista abateu um avião militar de El Salvador que sobrevoava o território nicaraguense. O único sobrevivente daquele voo acabou confessando que o avião carregava armas destinadas aos Contras.

A descoberta foi um dos pontos de um escândalo que acabou demonstrando a existência de um plano do governo norte-americano de Ronald Reagan para vender armas à República do Irã, na época em guerra com o Iraque.

O plano era uma triangulação que incluía a utilização dos fundos provenientes dessas vendas para apoiar os nicaraguenses. A mente por trás dessa operação era Oliver North, um ex-militar que se havia tornado conselheiro de Reagan.

O envolvimento comprovado da CIA nas operações e financiamento dos Contras levou o governo sandinista a denunciar os Estados Unidos no Tribunal Internacional de Justiça em 1984, alegando que havia elementos suficientes para provar a assistência militar e logística da potência mundial ao grupo armado ilegal.

Em sua decisão de 27 de junho de 1986, a Corte Internacional de Justiça não pôde estabelecer que Washington tinha criado o grupo paramilitar, mas "considerou provado" que os norte-americanos "tinham financiado, treinado, equipado, armado e organizado em grande parte a FDN [Força Democrática Nacional], um dos elementos dessa força".

O tribunal decidiu que os Estados Unidos deveriam compensar a Nicarágua pelos danos causados, algo que nunca fizeram e que foi perdoado em 1992 pelo governo anti-sandinista de Violeta Chamorro. O caso dos Contras nicaraguenses entrou para a história como um dos mais claros exemplos de apoio dos EUA a dissidentes e rebeldes em outros países.

Afeganistão, Iraque e os exércitos privados

Esse exemplo não foi o primeiro. A Guerra do Afeganistão entre 1978 e 1992 tinha visto a intervenção dos EUA no treino e fornecimento de armas e apoio econômico aos rebeldes islâmicos conhecidos como mujahedin. Mais uma vez, a CIA treinou rebeldes recrutados para combater as forças da União Soviética, que apoiavam o governo afegão.

© Sputnik / Aleksandr GrashenkovRegimento de tanques se preparando para regressar à URSS durante a retirada das tropas soviéticas do Afeganistão
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Regimento de tanques se preparando para regressar à URSS durante a retirada das tropas soviéticas do Afeganistão

Já no séc. 21, o Afeganistão e o Iraque têm sido cenário de um novo modelo de envolvimento dos EUA em conflitos. Desta vez, isso não foi feito diretamente pela CIA, mas através de exércitos privados contratados por Washington.

A empresa Blackwater, atualmente chamada Academi, é um exemplo dessa estratégia: seu exército privado participou de intervenções armadas e até de execuções extrajudiciais no âmbito de seus contratos com a CIA.

O uso de mercenários e exércitos privados em incursões militares contra o governo de Nicolás Maduro já havia sido mencionado em 2019, quando a agência Reuters informou que a empresa havia preparado um contingente de entre 4.000 e 5.000 soldados para entrar na Venezuela a partir da Colômbia.

Silvercorp, a empresa contratada por Guaidó para derrubar a Maduro

A Silvercorp, outra empresa de segurança privada dos EUA, tentou se infiltrar em território venezuelano, afirmou um artigo do jornal Washington Post, que revelou um contrato assinado entre representantes do líder da oposição Juan Guaidó e a empresa, em uma iniciativa chamada Operação Gideon.

"A Silvercorp USA foi fundada com um propósito. Fornecemos a governos e empresas soluções realistas e oportunas para problemas irregulares", diz a mensagem introdutória da empresa em seu site.

A empresa, instalada em 2018 no estado da Flórida, afirma operar em mais de 50 países oferecendo serviços de "planejamento e consultoria, gerenciamento de risco, projetos especiais e análise de risco de infraestrutura crítica".

© REUTERS / Televisão Estatal da Venezuela / HandoutSoldados venezuelanos usando máscaras faciais cercam um suspeito retirado de um helicóptero
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Soldados venezuelanos usando máscaras faciais cercam um suspeito retirado de um helicóptero

Entre seus funcionários, a empresa diz incluir "líderes do setor, ex-diplomatas, ex-chefes de segurança multinacional e os mais experientes militares, policiais e profissionais de inteligência da atualidade".

A Silvercorp oferece a seus clientes o conhecimento "técnico e tático" de seus consultores em combinação com a "visão local" da parte contratante.

A face da Silvercorp no contrato com Guaidó é Jordan Goudreau, um ex-militar americano de 43 anos (embora nascido no Canadá) que agora trabalha para a empresa. Goudreau, segundo um acordo registrado em uma gravação divulgada pelo governo venezuelano, chefiaria a incursão na Venezuela, com a missão de "capturar/deter/remover Nicolás Maduro".

Goudreau já havia estado na fronteira entre a Colômbia e a Venezuela em fevereiro de 2019, quando foi contratado para garantir a segurança do concerto Venezuela Live Aid na cidade colombiana de Cúcuta.

A empresa receberia pela Operação Gideon um total de US$ 212,9 milhões (R$ 1,28 bilhão), dos quais US$ 50 milhões (R$ 290,5 milhões) seriam pagos na primeira etapa.

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